EDUCAÇÃO CATÓLICA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO: UMA HISTÓRIA DE INTERROGAÇÕES PARA PRÁTICAS EM SALA DE AULA

Publicado como capítulo em livro no Chile ‘EDUCACIÓN CATÓLICA EN LATINOAMÉRICA: UN PROYECTO EN MARCHA’ em 2019

Uma das formas de produção do conhecimento acontece no próprio processo de educação

José Ivo Follmann (janeiro de 2019)

Introdução

Tomei como ponto de partida, na redação deste capítulo, uma vivência pessoal em sala de aula em uma instituição católica de elite, em nível de educação básica, no ano de 1970, quando por causa do uso de determinados materiais didáticos fui motivo de convocação de “reunião de pais e mestres”, gerando um diálogo ideológico de certa forma constrangedor.

Ancorada, em seu início, na narrativa pontual biográfica, a redação do capítulo transita por diversos caminhos e atalhos, atenta aos impactos sociais, culturais e educacionais, em contextos em permanente mudança e de fortes debates ideológicos, a partir, sobretudo, da década de 1960, cujos ecos nos acompanham até hoje. São pontuadas também três outras atenções especiais: A organização nacional da educação católica em um contexto de forte competividade de mercado; A educação católica em um contexto de diversificação religiosa acelerada conjugada com a afirmação sempre maior da laicidade na sociedade; E, por fim, um recente debate sobre as formas mais apropriadas de práticas de inclusão socioeducativa de entidades educacionais católicas e similares. O capítulo é concluído por “notas não conclusivas” sinalizando algumas provocações para avançar no processo de reflexão sobre as práticas de sala de aula na educação católica.

  1. A Segunda Metade do Século XX: uma contexto de grandes mudanças

Vou iniciar com o relato de um evento pessoal. Em 1970 eu lecionava em uma escola católica jesuíta, conhecida como sendo de elite, no sul do Brasil. A disciplina era “Cultura religiosa”. Fui orientado a utilizar, em sala de aula, um material didático muito em voga e bem adequado ao novo momento que a igreja católica vivia a partir do Concílio Vaticano II e do engajamento social cristão no contexto desafiador que o Brasil e toda América Latina estavam vivendo. As aulas tinham grande sucesso, contando com boa adesão e participação dos estudantes de sétima série do ensino fundamental. No entanto, um dia fui surpreendido com a convocação da direção do colégio para uma reunião com um grupo de pais. O assunto era: a orientação ideológica dos materiais usados em sala de aula. (1) Naquele material eram explicitados, de forma bastante equilibrada e dentro do alcance da faixa etária dos estudantes, aspectos da realidade social e cultural, que na opinião dos pais não estariam sendo adequados. Eu era um jovem principiante, no meio caminho de minha formação jesuítica, na época estudante de Ciências Sociais, na Universidade Federal local. Me vi no constrangimento de ter que explicar para alguns daqueles pais que a logomarca da Sono-Viso do Brasil, (2) que estilizava um S e um V não tinha nada a ver com Foice e Martelo e que a estrela de Belém (guia dos Reis Magos) que aparecia em uma imagem não tinha nada a ver com eventuais estrelas presentes em bandeiras de países comunistas. Me senti tremendamente provocado por aqueles constrangimentos totalmente inesperados. Foi, com certeza, um grande aprendizado.

Sem ficar preso ao anedótico desta narrativa, creio que ela é tremendamente simbólica, refletindo todo um contexto que se vivia, sobretudo, a partir da segunda metade do século XX, mais precisamente as reviravoltas políticas, culturais e sociais, a partir da década de 1960. Foi um contexto que deixou marcas profundas tanto para a sociedade como para a igreja católica e diversas outras igrejas cristãs e, consequentemente, para a educação católica e cristã. Segundo Danilo R. Streck e Aldino L. Segala (2007: 165), “Uma nova forma de ser igreja implicava na crença de que uma outra sociedade era possível; a sociedade onde todas as pessoas pudessem ter pão suficiente e a sede de justiça pudesse estar saciada”. (3)

No mesmo artigo é feita menção especial ao papel importante exercido pelo Concílio Vaticano II e sua repercussão intensa na igreja católica na América Latina. Este último aspecto aparece como o ponto fulcral na grande virada acontecida, nesse contexto, em termos teológicos e pedagógicos, que é o foco do texto dos autores.

Paulo Freire proclamava que a educação promovida pelas igrejas devia ser concebida e realizada com raízes na história e cultura do povo. Segundo ele, “o papel educacional das igrejas não pode ser entendido como alheio às condições da realidade concreta na qual elas estão presentes”. (Freire, 1977, p.105, apud Streck e Segala, 2007, p.165)
Alguns documentos do episcopado, na época, foram de grande importância, destacando-se, sobretudo, os documentos da Conferência Episcopal Latinoamericana – CELAM, do encontro de Medellin, Colômbia, em 1968 e de Puebla, México, em 1979. (4)

Pontos de destaque, no texto de Streck e Segala (2007), são, também, as comunidades eclesiais de base – CEBs e a educação popular. Foi um período extremamente fértil, particularmente em termos de atividades relacionadas com a educação popular, fora do sistema formal de ensino, em grande parte lideradas pela igreja. A par disto, grandes debates eram vividos dentro do sistema formal, haja visto o grande evento em Buga, Colombia, 1967 um ano antes da conhecida do encontro dos bispos em Medellín, 1968.

A ideia de libertação e educação libertadora, proclamada e aprofundada em Buga, Colômbia, foi assumida no documento de Medellín, Colômbia. As principais características dessa educação foram retomadas, posteriormente, no documento de Puebla (1979), que as sintetiza em três pontos: – criar no ser humano espaço para a boa nova cristã; – impulsionar o exercício da função crítica inerente à educação verdadeira; – e promover o educando como sujeito do desenvolvimento próprio e dos outros. Em suma: – educação para humanizar; – educação para a justiça; – educação para o serviço.

A educação católica no Brasil tinha uma grande presença no Ensino Médio. Oscar Beozzo (1993: 69) relata que, no final da década de 1950, no Brasil, 80% dos estudantes deste nível eram de instituições católicas de educação. O acesso era mais favorecido às classes média e alta, devido às anuidades elevadas. Por um lado, grandes tensões ideológicas internas eram vividas gerando conflitos no âmbito da gestão e das práticas em sala de aula. Por outro lado, também estavam sendo travados debates sobre a democratização do ensino, apontando inclusive para a importância de se destinar recursos públicos para as iniciativas educacionais privadas.

O direcionamento, no entanto, foi bem outro. Houve um grande incremento na rede pública de educação e as escolas privadas foram gradualmente excluídas do acesso a subsídios públicos. Impossibilitadas de acolher estudantes da população mais pobre, a crise ideológica que já estava instalada, tendeu a crescer nas instituições católicas. A nova forma de ser escola, que vinha na carona da nova forma de ser igreja, parecia ter-se tornado um discurso longínquo, em um quadro onde a sobrevivência das escolas e de suas práticas em sala de aula necessitavam estar ajustadas ao horizonte de consumo das elites dominantes.

A crise ideológica nas escolas foi acompanhada por duas outras crises. Em primeiro lugar estava a própria crise na vida religiosa consagrada, com uma diminuição significativa do número de vocações para este estado de vida. Em segundo lugar, pesou também forte a política estatal de investir maiores recursos, por um lado, nas escolas públicas, e de facultar, por outro lado, a possibilidade do surgimento de um mercado voraz de empreendimentos privados de ensino, pautados no negócio e no lucro.

Estes últimos dois aspectos trouxeram em seu bojo um agravamento sem precedentes para as condições de sustentabilidade econômico-financeira das escolas católicas e outras escolas confessionais e comunitárias. Paradoxalmente estas instituições são as que mais estão focadas no serviço público à sociedade. Como agravante do paradoxo, talvez se possa dizer que o poder de intimidação das famílias pagantes, neste contexto, passa a ser ainda mais rigoroso com relação às práticas em sala de aula.

  1. Educação Católica no Brasil: Organização nacional e competitividade.

O século XXI iniciou com um cenário totalmente desfavorável à sustentabilidade econômico-financeira de instituições católicas de educação e outras iniciativas educativas similares. Segundo Manoel Alves (2006), este cenário tornou visível, também, as fragilidades de gestão interna da maioria dessas instituições. Para o autor, isto não era algo notável em tempos favoráveis e sem concorrências, mas mudanças radicais aconteceram e o contexto se tornou desfavorável, sobretudo, ao longo das últimas duas décadas do século XX.

No entender do mesmo autor, não faz mais sentido buscar explicações externas ou esperar a melhoria das condições externas. Em termos de ensino católico é necessário investir forte na liderança interna, pois “só se tem possibilidade de prosperar se o negócio educacional pelo qual ele responde, for eficazmente gerido”. (Alves, 2006: 130). Parece que as instituições de educação católica foram muito lentas em se adequar ao novo momento vivido pela humanidade que é a “sociedade do conhecimento”.

Para fazer face a estes grandes desafios a educação católica no Brasil deu passos importantes em termos de organização nacional. Finalmente de 2007 instaurou-se definitivamente o processo de instituição oficial da Associação Nacional da Educação Católica – ANEC, superando a situação de evidente desarticulação anterior. (5) Esta entidade de representação nacional única da educação católica no Brasil, caracteriza-se dentro de três eixos principais: – representação política e defesa dos interesses das associadas; – assessoria às associadas; – apoio na gestão das instituições.

“Como representante única e legítima da educação católica no Brasil, a ANEC é referência no importante papel de prestação de serviços a centenas de associadas e milhares de unidades de ensino, assim como promotora de eventos educacionais para o aperfeiçoamento da educação e da gestão. Ao todo, são praticamente 400 Mantenedoras católicas associadas, cerca de 2 mil escolas, 90 instituições de Ensino Superior e 100 obras sociais. A ANEC está presente em todos os estados da Federação, representa 2,2 milhões de alunos e 100 mil professores e funcionários”. (6)

A crise, que constituía a reviravolta teológica e pedagógica vivida pela igreja católica, somada à drástica redução do quadro de religiosos/as consagrados/as e à mudança radical no contexto de espaços para a educação católica e de outras confissões, não é tudo o que deve ser observado de fundamental. Sinalizou-se acima o desafio da articulação de forças em nível nacional para criação de amparo e sinergia comuns e, dentro da frenética corrida da inovação tecnológica e pedagógica nas salas de aula e nos espaços educativos como um todo, não sucumbir à perda dos valores centrais que movem a educação católica.

No entanto, é também necessário que nosso olhar se volva para as transformações radicais vividas dentro da própria esfera religiosa brasileira, a sua acelerada diversificação e a drástica diminuição relativa da presença católica. O Estado Brasileiro veio dando passos de amadurecimento em sua laicidade e a sua relação se dá com a esfera religiosa como um todo, mais do que com os interesses desta ou daquela religião. Neste sentido busco, na sequência, trazer alguns elementos para ajudar a avançar nesta discussão.

2. A Diversificação da Esfera Religiosa Brasileira e a Laicidade do Estado.

A esfera religiosa brasileira sofreu, ao longo das últimas décadas, um processo muito acelerado de inflexão nas forças: de um Brasil predominantemente católico está-se caminhando para um Brasil onde a força do segmento evangélico pentecostal e neopentecostal e a diversificação religiosa em geral, tendem a conquistar espaços sempre maiores.

Em termos de diversificação na esfera religiosa os dados oficiais consolidados em nível nacional são fornecidos pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, de 1940 a 2010. Neste período o quadro estatístico dá conta da queda numérica sensível daqueles que se declaram católicos e do aumento acelerado, daqueles que se declaram evangélicos, bem como aumento grande daqueles que se declaram “sem religião”, incluindo, neste último grupo, os descrentes ou ateus. Constata-se também a multiplicação do número de religiões que se somam no quadro das “outras religiões”.

Tudo indica que em 2020 a população católica no Brasil estará abaixo de 50%. (7) A explosão da diversidade religiosa, que assistimos no Brasil contemporâneo, por si só, não gera espírito pluralista ou de convívio democrático. Ao contrário, muitas vezes, também, são geradas radicalizações fundamentalistas. Tem-se, assim, um movimento duplo contraditório gerado pela diversificação: crescimento do espírito de convívio democrático pluralista, de um lado, e aumento de radicalizações fundamentalistas, de outro. Da mesma forma é perceptível um duplo movimento em nível de Estado: ao mesmo tempo em que são constatáveis movimentos de amadurecimento da laicidade no sentido de garantir o direito à diversidade e pluralidade de expressão religiosa de todos, existem, também, movimentos de busca de vantagens eleitorais contando com o apoio desta ou daquela confissão religiosa.

O conhecimento exerce papel importante no processo de identidade religiosa. O que falta muito na sociedade brasileira é conhecimento com relação ao mundo das religiões e das religiosidades. Hoje este “mundo” se ampliou muito no Brasil devido, também, a uma presença mais visível, mesmo que estatisticamente muito reduzidas, de vertentes islâmicas, judaicas, budistas e outras tradições religiosas históricas fortes e milenarmente consolidadas. Um componente fundamental nos processos de identidade religiosa é a relação sadia com o outro, com o diferente. Pode-se dizer que o diálogo inter-religioso é a nossa tábua de salvação.

É de consenso que cabe ao Estado laico criar as condições para que se eduquem as consciências religiosas em sua diversidade e seu reconhecimento mútuo. Acreditamos, também, como afirmamos acima, que uma laicidade maduramente vivida e administrada pelo Estado é condição para que a esfera religiosa possa exercer o seu papel na construção da sociedade democrática.

Mencionei acima a instalação do Estado laico, dentro do mesmo processo proclamação da República. Já se passaram 125 anos desde a primeira Constituição Republicana, que foi em 1891, e a laicidade do Estado ainda está longe de uma consolidação amadurecida. A história do século XX e também da primeira década do século XXI está repleta de exemplos que trazem à luz do dia o “fantasma” do catolicismo como religião oficial. Isto foi, sobretudo, acentuado durante todo o longo período do governo Vargas, mas que de certa forma retornou durante o governo Lula. (8)

No Brasil, este tempo histórico da laicidade do Estado presenciou dois fenômenos complementares: A forte carga de preconceitos e perseguições (repressões) às religiões de matriz africana e outras, que, comumente, foram desclassificadas enquanto religião, não aceitáveis pela racionalidade cristã acidental (Monteiro, 2009); O crescente aumento das igrejas evangélicas pentecostais e, na sequência, as neopentecostais, ao longo da segunda metade do século XX, acompanhadas de um forte trabalho de lobby político e de oposição à influência católica.

A contaminação religiosa do Estado laico no Brasil não é muito diferente de outros países, porque, de fato, não se conhecem exemplos concretos de total isenção ou neutralidade do Estado frente às diferentes religiões. (Mariano, 2005). O que devemos ter muito claro é que tudo isto repercute, sobretudo, no sentido da educação católica, passando pelo desafio do “fazer educativo” como serviço público, da necessária participação na cultura do diálogo com as outras religiões e o esforço renovado de cultivo dos espaços próprios de cultivo dos processos de identidade católica ao mesmo tempo em que se deve contribuir para preservar o exercício da função laica do Estado.

3. Diálogos Recentes sobre Práticas de Inclusão Sócio-Educativa.

Historicamente a legislação brasileira facultava às instituições católicas de educação e outras similares, contempladas pela lei da filantropia, o destino para práticas sociais de 20% do volume total da receita correspondente a isenção de tributações oficiais. Muitas instituições praticavam bolsas de estudo destinadas à população economicamente mais vulnerável. A legislação a este respeito sofreu permanentes inovações. A partir de 2012, no entanto, a legislação enrijeceu, obrigando as instituições educativas a realizarem a relação de uma bolsa de estudos para cada cinco alunos pagantes. Afirmou-se claramente o controle do Ministério da Educação com relação a estas práticas.

A novidade, apesar de conter um fator agressivo de limitação da autonomia das instituições, oportunizou que fosse gerado um ambiente fecundo de soluções que fossem suficientemente seguras, tanto para a sustentabilidade econômico-financeira, quanto para a ampliação da efetivação dos valores da educação católica e de outras entidades símiles. Como venho lidando com a discussão das entidades filantrópicas, o novo ambiente criado muito me mobilizou e iniciei a esboçar uma pesquisa de opinião junto a gestores de instituições católicas de educação. A questão da pesquisa: qual a eficácia educacional segundo os valores das instituições católicas de educação, da realização das bolsas exigidas por lei dentro das próprias instituições ou em instituições criadas, à parte, em contextos sociais mais vulneráveis.

É sabido que, com os novos movimentos da legislação, algumas instituições passaram a praticar modalidades diversas de realização das bolsas para poderem atender ao mesmo tempo às exigências legais sem perder o foco nos seus valores institucionais e, também, garantir a viabilidade econômico-financeira.

A partir de uma simples pergunta dirigida a gestores de educação básica em instituições católicas, sobre vantagens e limitações das diferentes modalidades, foram colhidas algumas contribuições importantes, que ajudam a avançar na reflexão:

Existe uma forte convergência na afirmação de que “não é o administrativo que deve fundamentar as opções pedagógicas”, pois “números podem camuflar rostos”. Deve ser “opção pensada como política pedagógica”. Existe, no entanto, a percepção de que na prática, apesar de as instituições alegarem a fidelidade à missão como motivação central, muitas vezes pesam implicitamente outros argumentos, inclusive ligados a não causar prejuízo ao conforto das famílias pagantes, preservando suas presumidas expectativas.

O modelo de praticar bolsas internas à própria instituição que atende público pagante, parece não ser rejeitado sempre que viável, até afirmado que seria o modelo “mais próximo do melhor”. Pois constitui-se, segundo opinião de alguns, em um dos elementos que contribui para que a qualidade da educação também seja equidade na educação. Isto estaria “agregando valor social e intelectual”, pois “aprendemos mais com o outro, estando juntos, do que oportunizando que apenas um contexto se desenvolva isoladamente”. Há quem lembra que devemos evitar estar contribuindo para o “confinamento das periferias” e promover a prática da troca, pois é muito importante para os que vem da periferia “se perceberem enquanto seres inteligentes e iguais a todos os demais”. Ademais, “a convivência do público pagante com o público bolsista gera um mútuo crescimento e mostra concretamente para a comunidade o trabalho social que a escola desenvolve”.

Privar as instituições de público pagante da presença de bolsistas provindos de meios sociais mais vulneráveis, estaria ajudando a reforçar a já “carência e déficit de diversidade” que marca estas escolas em geral. Estas “correm o risco de serem instituições de alunos ‘perfeitos’, ou seja, brancos, (…) de uma mesma classe econômica”, quando os alunos ‘problema’ são “eliminados já no processo de seleção”. A “riqueza do convívio na diversidade” é “um importante elemento para a educação integral”.

A prática de destinar os recursos para instituições externas, e não aplicar dentro da própria instituição, “a longo prazo, favorece a dimensão administrativa, mas pedagogicamente segrega a sociedade afirmando o que o sistema prega”. A reprodução de escolas especiais para a elite e escolas de formadoras de servidores dos que dominam. Trata-se de um alerta muito repetido: “Existem vantagens de grande impacto social, mas também aparecem perigos de segregar”. No entanto também apresentam uma importante convergência de opiniões favoráveis, sobretudo ressaltando o seu impacto social nas comunidades locais. “Possibilitar oportunidades a populações necessitadas”, “dar oportunidade a populações de áreas de carência sócio econômica”, “fortalecer a comunidade local” são expressões associadas à importância de uma “política pedagógica intensa”, (…) “inserida na comunidade com proposta sócio política e educativa parra além dos seus muros, trabalhando as famílias mais de perto.

Alguns mencionam também o argumento financeiro, no sentido da oportunidade de fazer mais com menos, pois os custos para manter bolsista em instituições de maior porte são muito maiores do que os custos em uma escola de menor porte e torna-se possível beneficiar um público muito maior. Neste argumento subjaz também a ideia de que, para garantir a manutenção dos índices de avaliação da instituição, seria necessário um investimento muito grande nos alunos bolsistas, de difícil praticabilidade econômico-financeira.

A convergência que predominam nos gestores ouvidos é de que as duas opções são importantes. Se reconhece que a opção por fazer as bolsas na própria instituição de público pagante é a opção mais complexa. Seria fundamental mantê-la, sempre que viável, não excluindo, no entanto, a opção por efetivar bolsas em instituições nos meios populares mais vulneráveis. “Ambas as proposições de oferta de bolsas de estudo são legítimas e agregam para a construção de um país com mais justiça social, garantindo o acesso a uma educação de qualidade, que forme integralmente o sujeito”.

O ideal seria que a própria instituição de público pagante pudesse ter uma interação com uma comunidade carente na circunvizinhança. O distanciamento geográfico facilmente estará associado ao enfraquecimento dos “laços sociais e agravando o processo de elitização da instituição” de público pagante.

Todas estas questões estão em pauta num rico debate e que demanda aprofundamento. Envolve, sobretudo, a questão das práticas pedagógicas em sala de aula para grupos diversificados socio culturalmente ou não. Trata-se de um desafio tremendo para instituições que tem no centro de sua missão, a fraternidade, ou seja, a inclusão e a equidade.

Notas não Conclusivas

O grande desafio das instituições católicas de educação e todas as demais que estejam alinhadas a propósitos similares, está em encontrar e preparar professores/as que efetivamente tenham condições de dar conta da criação de um ambiente em sala de aula, suficientemente adequado às inovações tecnológicas reinantes e às exigências sempre mais desafiadoras de lidar com a diversidade ou ao menos, de provocar a radical rejeição à cultura elitista e excludente.

No que diz respeito à confessionalidade das instituições é necessário sublinhar o desafio do diálogo inter-religioso é sem dúvida uma pauta importante e cultivada em muitas instituições. Este diálogo é uma grande escola de aprendizagem. Ele só se faz possível se aqueles que dialogam entre si sabem cultivar sinceramente os seus próprios processos de identidade religiosa e cultivarem ao mesmo tempo um grande reconhecimento dos processos de identidade religiosa dos outros. Neste o apelo e desafio apresenta uma face dupla: 1) proporcionar condições efetivas para um real ambiente de educação para as relações inter-religiosas harmônicas e de reconhecimento mútuo; 2) proporcionar condições efetivas para um real ambiente que possibilite o crescimento no processo de identidade católica para todos os que buscam esta orientação.

A confessionalidade também deve ser vista em relação ao Estado laico? Talvez o melhor caminho seja levar efetivamente a sério a própria expressão “educação católica”: Educação é o substantivo e católica é o adjetivo. A educação não é um meio de proselitismo da própria religião, mas sim é um serviço público de preparação de profissionais e cidadãos para a sociedade. A educação é católica não por usar o nome católico como marca impressa na tradição, mas enquanto este serviço público é iluminado por princípios, valores e práticas cristãos professados pela igreja católica.

Por fim, mas não em último lugar, está o grande desafio da compatibilidade entre sustentabilidade econômico financeira e um efetivo trabalho de inclusão socioeducativa. Isto passa pela busca de sólida organização de apoio nacional, que proporcione sinergia nos esforços comuns pela boa gestão e inovações tecnológicas, como também passa pelo aprendizado mútuo a conjunto a partir das melhores práticas em sala de aula tanto em nível tecnológico quanto em nível de avanços pedagógicos no lidar com a diversidade e com os impactos de uma cultura hegemônica perversamente excludente.

Notas:

  1. Tratava-se de uma produção inovadora em termos de catequese. As chamadas FICHAS CATEQUÉTICAS organizadas sob a coordenação do especialista na área Ir. Antonio Cechin (da Congregação dos Irmãos Maristas). O próprio Ir. Antonio em uma de suas últimas entrevistas em vida, se refere a este material: “As fichas catequéticas foram o fato divisor de águas de minha vida que pode ser separada em duas partes inteiramente diferentes uma da outra. Autores que fomos do sonho maior de minha irmã Matilde e meu, concretizado nessas fichas desencadeadoras de uma Catequese Nova e Libertadora, o continente latino-americano se transformou em nosso calvário mais dolorido”. O Ir. Antonio relata a surpresa e o espanto pessoal que teria tido em 1969, ao ver o Coronel Jarbas Passarinho, Ministro da Educação, brandindo na televisão estas fichas catequéticas e vociferando tratar-se de material altamente subversivo destinado à lavagem cerebral dos pré-adolescentes para o comunismo. “… referia-se aos colégios católicos como os principais disseminadores dessas ideias…”. http://www.ihu.unisinos.br/?id=516685 (acesso: 08/07/2018).
  2. Entidade contratada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, para a primeira impressão daquele material.
  3. O esquema de base de presente texto reproduz a mesma lógica de outra publicação recente, com o título “Brazil, Catholic religion and education: challenges and prospects” (Follmann, 2017), na qual tive a oportunidade de sintetizar na primeira parte a contribuição do Streck e Segala (2007), aqui referida. Retomo aqui algumas passagens do artigo de 2017, com a novidade, por um lado, da reflexão sobre os impactos na e da sala de aula e, por outro lado, do acréscimo do recente debate sobre as formas mais apropriadas de práticas de inclusão socioeducativa.
  4. O documento que, hoje, melhor expressa toda a trajetória e avanços vividos em termos de igreja na América Latina nas últimas décadas e sua situação atual é o documento de Aparecida do Norte, Brasil, em 2007. Ver neste sentido Jaci de Fátima Candiotto. A Educação Cristã na atual Cultura a partir do Documento de Aparecida. XI Congresso Nacional de Educação – EDUCERE, 2013, PUC-PR.
  5. Em 30/10/2007, aconteceu incorporação da ABESC – Associação Brasileira de Escolas Superiores Católicas e da ANAMEC – Associação Nacional de Mantenedoras das Escolas Católicas, na AEC – Associação de Educação Católica, que passou a denominar-se Associação Nacional da Educação Católica do Brasil – ANEC, em funcionamento, com este nome, a partir de 2008. Deu-se a partir daquele ano um processo de ajustes desta, superando-se em definitivo a situação desarticulada de três instâncias, como vinha sendo anteriormente. O seu estatuto social data de 25 de setembro de 2012.
  6. http://www.curtanaeducacao.org.br/realizacao/anec/ (Acesso 09/07/2018).
  7. Pesquisa do Instituto Data-Folha de julho de 2018, São Paulo, Brasil mostra 51% católicos e 33% evangélicos. Além da explosão visível do número de evangélicos, outros aspectos devem ser considerados, pois subsistem controvérsias em relação às metodologias de pesquisa, podendo a diversidade ser ainda maior devido à multiplicação de “dupla identidade religiosa”, misturando segmentos de matriz africana e das práticas espíritas com a “fachada” externa católica.
  8. O que sempre mais pesou para estas “recaídas” são os “espaços consideráveis nas áreas da saúde, educação, lazer e cultura” (Mariano, 2001, p. 146) que a igreja católica continuava e continua ocupando. Um evento recentíssimo foi particularmente perturbador na evolução harmônica das relações do Estado laico com a esfera religiosa no Brasil. Trata-se do Acordo entre o Estado Brasileiro e a Santa Sé assinado em 2008. Foi um acordo bilateral solenemente assinado em 13 de novembro de 2008 entre a República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao estatuto jurídico da igreja católica no Brasil, onde os signatários foram o Presidente Luiz Ignácio Lula da Silva e o Papa Bento XVI. Trata-se de um Acordo muito polêmico e gerou grandes perturbações no avanço de uma compreensão harmônica da função do Estado laico. Em resposta a este Acordo foi gestada a Lei Geral das Religiões apresentada em 2009, por um Deputado Federal, Pastor da Igreja Universal do Reino de Deus (Igreja Neopentecostal). O teor principal desta Lei é tornar o conteúdo do Acordo em questão, extensivo às outras denominações religiosas. Segundo a pesquisadora Fischmann (2009) trata-se de uma “tentativa de corrigir um erro incorrigível”.

Referências Bibliográficas

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Streck, D. R.; Segala, A. L. (2007). A theological-pedagogical turning point in Latin America: a new way of being school in Brazil, in G.R.Grace and J.O’Keefe (Eds.), International Handbook of Catholic Education – Challenges for School Systems in the 21st Century. Vol.2, Dordrecht, The Netherlands: Springer, 2007.

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