CAMINHOS DE JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL E ESPIRITUALIDADE DO CUIDADO

Palestra proferida na UNICAP, Recife, PE, em abril de 2020.

O conceito de justiça socioambiental está amparado no paradigma da ecologia integral

Conferência preparada por José Ivo Follmann para: III Seminário de Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diálogo.

UNICAP, Recife 22-24/04/20 20 (evento postergado). Publicado em E-Book: GILBRAZ, Aragão; VICENTE, Mariano (orgs). Desafios dos Fundamentalismos (Espiritualidades, Transdisciplinaridade e Diálogo – 3). Recife: EdUnicap/OTTR, 2020, pp. 113-133.

CONTEXTUALIZAÇÃO

Talvez possa ser chocante iniciar este texto sobre “caminhos de justiça socioambiental e espiritualidade do cuidado” mostrando imagens que expressam flagrantes injustiças.

É o olhar de uma criança negra, representando milhões de olhares de crianças obrigadas a sobreviver no meio dos dejetos do escandaloso déficit habitacional de nossas periferias. São crianças que crescem dentro de submundo estreito e desumano. É um olhar, que na sua expressão de inocência e encanto, grita por justiça. É um olhar no qual se perfilam milhões de olhares de adultos, já não mais inocentes, mas humilhados, desconfortados, revoltados ou desesperadamente conformados, na dor e na angústia de um “destino” injustificado, interrogando diariamente o mundo do luxo, do desperdício e da indiferença que os esmaga. Uma interrogação que vem do mundo do lixo, da fome e do anseio por atenção e reconhecimento.

No olhar triste e desencantado do líder indígena frente a um dos múltiplos monstros empreendedores, devastadores do seu habitat, se mistura a tristeza e o desespero de centenas de povos originários vítimas de processos genocidas que marcam a história latino-americana, em geral, e brasileira, em particular, ao longo de mais de 500 anos. Aliás, a marca genocida do processo colonizador já perturbou muitas vezes a minha mente. Isto, sobretudo, porque continuamos marcados pela mente colonizadora e grande parte de nosso existir, inclusive, de nossas espiritualidades não consegue se libertar disso. É um olhar que nos interroga com vigor, ao mesmo tempo, fascinante e profundamente perturbador. Um olhar acompanhado pelo grito desesperado dos povos indígenas sendo diariamente violentados em todo território amazônico.

Depois de mais de quinhentos anos não conseguimos, ainda, nos libertar do processo colonizador ou colonialista, que continua habitando as nossas mentes, os nossos comportamentos e impregna os nossos governantes. Parece que na sociedade brasileira, como também acontece em muitas outras sociedades, a própria humanidade e o “bom senso humano” ficaram abafados, reprimidos e esquecidos. O ser humano foi desviado de sua real identidade, se assim se pode dizer. Isso poderia soar como uma frase de efeito poético se não fosse a gravidade geradora de conflito de que é portadora.

Diversas pessoas que iniciaram esta leitura talvez se sintam desconfortadas, como eu mesmo me sinto, em trazer aqui como chamada inicial, um mote tão repetido e tão batido, que é este tema. Mas precisamos ser honestos com a nossa história e a nossa realidade. Dissimular, esquecer, colocar panos quentes, sempre foi o pior caminho. Todos/as sabemos isto. Deixemos que a história nos incomode. Quem for historiador nos perdoará por mais este pequeno pecado…

Um dia, alguém disse que a América Latina seria totalmente outra se os “colonizadores” no século XV e XVI tivessem tido um mínimo de reconhecimento dos seres humanos, das populações e dos povos que habitavam, nesse contexto, e que nela tinham o seu habitat há milênios. Se, ao invés de uma postura de não reconhecimento, de dominação e de espoliação, tivesse ocorrido simplesmente um movimento de aproximação, de intercâmbio, de diálogo e de mútuo enriquecimento, a história seria outra.

Isso soa absurdo, pois não se deve ler o passado com os paradigmas do presente. No entanto, infelizmente, os paradigmas do passado permanecem vivos e a perversidade denunciada, num passado longínquo, continua absurdamente atual, em todos os processos de dominação, exploração e desrespeito aos seres humanos, que, mais do que nunca, se multiplicam em nossa sociedade.

Voltando à imagem da criança negra olhando para nós do meio do lixo, precisamos fazer, também, um recuo histórico. Não vamos comentar os quase quatrocentos anos de escravidão de africanos no Brasil, que marcaram de forma indelével a estrutura social brasileira. A nossa atenção vai focada na maneira como se deu a chamada “abolição da escravatura”, ou seja, a realidade da população negra no imediato pós-escravidão ou pós-abollição. Como os afrodescendentes se viram tratados depois que deixaram de ser escravos? Não se pode dizer que a tragédia foi maior que a sofrida pelos povos indígenas, porque estes, desde a ocupação comandada a partir do tempo de Pedro Álvares Cabral, nas costas brasileiras e anteriormente, por outros aventureiros, em outras costas latino-americanas, até nossos dias, sobrevivem como vítimas de um permanente genocídio. Mas o que se desenhou desde os tempos de pós-escravidão ou pós-abolição, até nossos dias, com relação à maioria negra da população brasileira, é o processo de invisibilidade. Trata-se de uma invisibilidade desenhada no bojo do processo de branqueamento que foi o grande projeto nacional. As políticas de branqueamento, desde o final do Império, com Dom Pedro II, vieram dominando grande parte de nossa história, produzidas e tuteladas, sobretudo, pelas elites dominantes.

Eu gosto muito de um conceito trabalhado por Adevanir Aparecida Pinheiro,[1] que é o conceito de “branquidade”, diferenciando de “branquitude”. Esta autora (2014) retoma estes conceitos que ela já desenvolvera em sua tese doutoral em 2011. Branquidade diz respeito aos sujeitos que negam a importância do conceito de raça enquanto conceito político, não se abrindo para o diálogo sobre essa importância. Por sua vez quando os sujeitos brancos aceitam a importância do conceito de raça enquanto conceito político e interagem de igual para igual, aí sim, segundo a autora, nós podemos falar em branquitude.  Ao contrário de branquitude, a branquidade seria o resultado mais radical e perverso do branqueamento. O seu enraizamento na sociedade é um entrave muito complicado para que se possa implementar uma verdadeira educação das relações étnico-raciais. O primeiro passo para esta educação deverá ser a quebra da prisão da branquidade, para que a branquitude se liberte. Os brancos e brancas pensando, sentindo e vivendo revestidos de branquitude, terão de fato condição de contribuir na recuperação da verdadeira identidade nacional de tríplice referência: indígena, negra e branca.

Não temos como falar de autêntica espiritualidade do cuidado sem desobstruir este tríplice caminho. É necessário limpar os três acessos, as três vertentes, pois sabemos que as melhores contribuições e legados da espiritualidade do cuidado estão nas duas vertentes que historicamente foram obstruídas. E pior, obstruídas por espiritualidades demasiadamente contaminadas por lógicas e racionalidades brancas europeias.

Mas o que tem a ver tudo isto com justiça socioambiental? Tem tudo a ver. A alma da justiça socioambiental é a espiritualidade do cuidado. Se não colocarmos estas referências duras de nossa história no centro de nossa reflexão, a nossa abordagem sobre justiça socioambiental no Brasil será fatalmente manca e sem sentido. Como também a espiritualidade do cuidado não passará de um jogo de máscaras. Por quê? Porque as vítimas centrais das injustiças (socioambientais) estariam ausentes. E, a rigor, as vertentes mais lúcidas da espiritualidade do cuidado não estariam no centro do palco, ou seja, os principais protagonistas da espiritualidade do cuidado continuariam sendo as vítimas centrais (invisíveis) das injustiças.

CONCEITO DE JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL[2]

Na Laudato Sí (L.S. n. 49), o Papa Francisco, assim se expressou: “hoje, não podemos deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres”. (Grifos do autor).

No Marco de Orientação da Promoção da Justiça Socioambiental – Marco PJSA, da Província dos Jesuítas do Brasil, temos a seguinte formulação para definir justiça socioambiental:

Todas as ações que têm como objetivo colaborar para a superação das injustiças presentes em nossa herança histórica e reproduzidas pelo atual modelo de desenvolvimento extrativista e financeiro, gerador de desigualdades sociais e de agressões ambientais inomináveis. A rigor, dentro da perspectiva da concepção de ecologia integral, que nos foi apresentada pelo Papa Francisco, em sua Carta Encíclica Laudato Si (LS), existe uma sinalização implícita do conceito de (in)justiça envolvendo o nosso convívio na Casa Comum, em todas as esferas de relações, com o convite para um processo urgente e necessário de reconciliação e construção de relações justas. Trata-se basicamente de todas as relações que o ser humano empreende: as relações com Deus; as interpessoais, de geração, de gênero, étnico-raciais, religiosas, culturais, sociais, políticas, econômicas e, também, com os dons da natureza“. (JESUÍTAS, 2020)

Está muito evidente que, de fato, no chamado do Papa, na Carta Encíclica, está embutido um desafio à realidade humana como um todo, em toda a sua complexidade. Esta é a grande novidade, a grande inovação em termos de Ensino Social da Igreja, que Laudato Sí expressa. A Justiça Socioambiental não pode ser, simplesmente, pautada como conjunto de práticas reativas a situações pontuais, decorrentes dos chamados conflitos ambientais, como muitas vezes o conceito é trabalhado na Academia. Ela é uma intervenção na sociedade como um todo em seu modo de ser e se organizar, incluindo a relação com os dons da criação e, a rigor, a espiritualidade

Estamos vivendo em um mundo estragado (degradado) em todos os aspectos. Isto envolve as pessoas em suas relações, a organização social em suas relações políticas, econômicas e culturais, e, também, o meio ambiente como um todo. É neste mundo como um todo que incide a justiça, que será justiça socioambiental na medida em que tiver no horizonte a complexa inter-relação de tudo. O desafio está em propor um conceito de justiça socioambiental que seja efetivamente operacional abrangendo os diferentes níveis de ação, tanto em nossos processos de produção de conhecimento, como nos processos de tomada de decisão e nos processos da vida do dia-a-dia, no cotidiano.

Muito se avançou, por diversos caminhos e tempos recentes, na reflexão teológica e pastoral focando o cuidado da vida em todas as suas dimensões e sublinhando a ideia de que “tudo está estreitamente interligado”. (L.S. 16). O Patriarca Bartolomeu, referido pelo Papa Francisco (L.S. 6), fala em “túnica inconsútil da criação”. O duplo foco, do cuidado da vida e da inter-relação de tudo, é uma ponte direta para a retomada de elementos centrais nas diferentes tradições teológicas e religiosas que tomam consciência da permanente atualidade de suas intuições ou revelações originárias, apontando para o grande “religar” no “cuidado da alma da humanidade”.

TRÊS ÊNFASES TEMÁTICAS OU DIMENSÕES DA JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL

O Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA,[3] tem buscado enfrentar esse desafio construindo, teórica e empiricamente, um conceito de justiça socioambiental, centrado na atenção a três ênfases temáticas ou dimensões. Em cada uma dessas três dimensões podemos identificar, transversalmente, três posições estratégicas para incidir na realidade ou níveis de incidência na construção da justiça socioambiental. O que para alguns pode parecer, à primeira vista, um artifício complicador, é no entanto, um potencial operativo de fácil manejo na organização consistente de nossas ideias e ações, a rigor de nossa práxis transformadora.  

Falando a linguagem da cultura do cuidado, estamos focados em três grandes cuidados: o cuidado da dignidade humana, o cuidado dos dons da criação e o cuidado do ordenamento socioeconômico e das políticas públicas, diminuição das desigualdades sociais.

  • O Reconhecimento da dignidade do ser humano.

É a dimensão do cuidado da dignidade humana, amparada no reconhecimento. Esta dimensão acontece, na prática, nas relações com o diferente, nas relações étnico-raciais, religiosas, de geração, de origem nacional, de visões de mundo e opções, buscando sempre formas de estabelecer o diálogo, o valor da pluralidade e a inclusão de todos/as.

A justiça começa a ser construída na medida da tomada de consciência de que todos somos habitantes e fazemos parte da Casa Comum e cada um/a tem o direito de ser reconhecido em dignidade nas suas diferenças. Assim são práticas de justiça socioambiental, todas as práticas que reconhecem e cultivam por dentro das diferenças de todas as ordens, a dignidade do ser humano e suas particulares repercussões na vida pessoal e cultivo da própria dignidade em nossa Casa Comum.

  • Cuidado dos dons da criação, da vida e da saúde dos ecossistemas.

É a dimensão do cuidado dos dons da criação. Trata-se da conservação, preservação e usos adequados dos dons naturais, em vista do cuidado dos ecossistemas saudáveis e da vida para o futuro do planeta terra e de seus habitantese atenção especial ao nosso modo de ser, viver e trabalhar e à diversidade da vida nos diferentes biomas de cada território.

A justiça socioambiental, nesta dimensão, se expressa através de práticas com relação aos dons da criação, que podem ser percebidas nos diferentes níveis de participação social, indo desde uma radical revisão das práticas na produção do conhecimento, das tomadas de decisão e do tratamento harmonioso e equilibrado dos dons da criação, no seu cultivo e uso no dia-a-dia. Estão em pauta, neste ponto, as repercussões destas práticas do bom equilíbrio e harmonia das condições da nossa Casa Comum.

  • O Ordenamento das políticas, da sociedade e da economia em vista da diminuição das desigualdades sociais.

É a dimensão do cuidado do ordenamento socioeconômico e das políticas públicas. Nesta terceira dimensão está fundamentalmente em questão a diminuição das desigualdades, das exclusões sociais e da pobreza, pela busca do acesso universal aos direitos básicos de trabalho, assistência social, previdência, segurança, saúde, moradia, educação, alimentação e nacionalidade. A rigor, o que está em pauta, são os grandes e pequenos processos decisórios na sociedade em seus ordenamentos políticos e econômicos e na condução das políticas públicas. Estão em pauta bons resultados de tudo isto, para um convívio harmônico e inclusivo em nossa Casa Comum.

Assim, com o foco na ideia de que tudo está interligado nesta nossa Casa Comum, são práticas de justiça socioambiental, práticas econômicas e políticas pautadas no atendimento aos direitos sociais e humanos básicos, no reconhecimento da dignidade do ser humano e no cuidado dos dons da criação como dimensões básicas no Cuidado da Casa Comum.

Três posições estratégicas ou níveis de incidência na promoção da justiça socioambiental

Tentando pensar na prática o nosso compromisso com a promoção da justiça, nesta perspectiva de amplitude socioambiental, faço um convite para buscarmos atalhos operacionais. Podemos, neste sentido, distinguir três níveis concretos, como diferentes instâncias ou posições estratégicas na realização da justiça ou da justiça socioambiental. As práticas de justiça devem expressar-se no nível da produção do conhecimento, no nível das tomadas de decisão, e, sobretudo, no nível cotidiano de nosso ser, viver e agir, no dia-a-dia.[4]

Em nível de produção do conhecimento, através do reconhecimento das diversas formas de saber e de percepção da vida e das coisas, muito para além dos simples conhecimentos disciplinados pelo mundo acadêmico, destaca-se a busca da superação da linha abissal que separa, por um lado, conhecimentos academicamente valorizados e, por outro lado, saberes excluídos do mundo racional-científico. Destaca-se a valorização da diversidade na percepção da realidade. Nos aspectos relacionados à Igreja, o convite é absorver com humildade os conhecimentos populares e tradicionais em nossas práticas religiosas, através da consolidação de uma “Igreja em Saída”. Em suma, é uma proposta de buscar valorizar uma “ecologia dos saberes”, de modo geral e, em particular, nas práticas de Igreja.

No nível da tomada de decisões, a postura de cultivo aberto e não excludente do conhecimento, respeitando o lugar de fala de cada um e de cada uma, imprimindo práticas cada vez mais democráticas é, sem dúvida, aporte fundamental para um maior acerto na gestão, dando conta de autêntica e ampla cultura de participação e de reconhecimento da dignidade dos sujeitos envolvidos nas decisões, na política, na economia e na organização social, cultural e institucional. Neste sentido, sugere-se caminhar para formas inovadoras de implementar e avaliar as políticas públicas, formas estas embasadas em indicadores mais sustentáveis e na busca de uma sociedade equitativa e justa, em termos políticos, econômicos, sociais, culturais e ambientais.

Enfim, no nível das práticas do cotidiano, estamos no chão do cuidado por dentro das práticas pessoais e coletivas no dia-a-dia. É o campo do cotidiano, o campo da singeleza e simplicidade do dia-a-dia, do cuidado e da justiça, na vida como ela acontece. O espaço e o tempo de profundo sedimentar do cuidado da nossa Casa Comum, no testemunho vivo do reconhecimento do outro dentro de suas especificidades culturais, religiosas, entre outras, por mais diferentes que possam ser frente às nossas. Aqui, sem dúvida, todos/as somos chamados/as a uma conversão socioambiental radical e profunda em nossas práticas cotidianas, sejam elas pessoais ou institucionais.

A PRÁTICA DA JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL COMO ESPIRITUALIDADE DO CUIDADO[5]

Penso que, sempre tendo presente as três ênfases ou dimensões em pauta (o ser humano em sua dignidade, o convívio com os dons da criação e o ordenamento socioeconômico e das políticas púbicas) e as três posições ou níveis de incidência (produção do conhecimento, influência nos processos de decisão e o modo de ser na vida cotidiana), a humanidade, em geral, e a sociedade brasileira, em particular, necessitam urgentemente centrar-se na cultura do cuidado e desfazer-se da tragédia da cultura da indiferença.[6] A atenção central deve ser colocada na dimensão relacional e na interligação de tudo dentro do convívio humano, nas relações interpessoais, na sociedade e em relação aos dons da natureza.

Este é o chão concreto de realização da prática da justiça e, mais especificamente, a prática da justiça socioambiental. Precisamos estar cuidadosamente atentos à prática da justiça socioambiental em todo complexo convívio humano. Este estar “cuidadosamente atentos” é o que, aqui, também chamo de espiritualidade do cuidado. É denominada assim porque tem em seu centro o permanente cuidado da dignidade humana e da vida em todas as suas manifestações.

Em outras palavras, é uma espiritualidade que perpassa o cuidado da dignidade humana, o cuidado dos bens da criação e o cuidado do ordenamento social e econômico de inclusão e igualdade. Estes cuidados podem ser exercidos tanto em nível de produção do conhecimento, de influência nas tomadas de decisão e no modo de ser, viver e agir dentro do cotidiano.

Precisamos de uma espiritualidade que nos mude, radicalmente, em nossas práticas. Que nos faça retomar o verdadeiro caminho da justiça. Leonardo Boff, em “Reflexões de um velho teólogo e pensador” (2018) nos aponta que:

“A singularidade de nosso tempo reside no fato de que a espiritualidade vem sendo descoberta como dimensão do profundo do ser humano, como o momento necessário para o pleno desabrochar de nossa individuação e como espaço da paz no meio dos conflitos e desolações sociais e existenciais”. (BOFF, 2018, p.166)

A espiritualidade é geradora de mudança interior. O autor nos lembra um pensamento radical do grande líder religioso oriental Dalai Lama: “Espiritualidade é aquilo que produz dentro de nós uma mudança”! (“Se não produz em você uma transformação, não é espiritualidade”!). O autor comenta esta frase, afirmando que existem mudanças e mudanças. O ser humano é um ser de mudanças, pois nunca está pronto. No entanto, há “mudanças que não transformam sua estrutura de base” e há mudanças que são verdadeiras transformações “capazes de proporcionar um novo sentido à vida ou abrir novos campos de experiência e de profundidade, rumo ao próprio coração e ao Mistério de todas as coisas. Não raro é no âmbito da religião que ocorrem tais mudanças. Mas nem sempre”. (BOFF, 2018, p.165-166)

Esta manifestação pelo valor da espiritualidade, como força regeneradora, está amparada no próprio grito do autor, que nos diz: “vamos criar juízo e aprender a ser sábios e a prolongar o projeto humano, purificado pela grande crise que seguramente nos acrisolará”. (BOFF, 2018, p. 158). Acrescenta:

Incentivam-nos as escrituras judaico-cristãs: “Escolhe a vida e viverás” (Dt 30,28), e Deus se apresentou “como o apaixonado amante da vida” (Sb 11, 24). Andemos depressa, pois não temos muito tempo a perder. (BOFF, 2018, p. 159)[7]

É um pequeno grito que se soma a infinitos outros gritos, que se levantam em todos os recantos da terra, fazendo coro ao grande e insondável mistério de amor do “grito regenerador” de Jesus Cristo. As três perguntas originárias retornam e reboam: “Onde estás”? “Onde está o teu irmão”? “Como está a criação”?[8]

A Espiritualidade, que hoje nos é solicitada, é a disposição de nossos corações para buscar os melhores caminhos para a construção de sociedades geradoras de vida; refazer-nos em nossa capacidade de reconhecer o outro em sua dignidade; de nos indignarmos frente às desigualdades escandalosas e inaceitáveis e à situação desumana, vivida, por muitos irmãos e irmãs; de cuidar da vida e dos dons da criação, impelidos pelo amor a toda a vida que pulsará neste planeta terra, no futuro. É a disposição de sermos no cotidiano: cultivadores/as de justiça socioambiental.

INTERROGAÇÕES E DESAFIOS DENTRO DO MOMENTO CONJUNTURAL VIVIDO

Qualquer leitura de nossa realidade hoje não resiste às evidências de flagrantes atentados à justiça socioambiental e de debilidades na prática de uma espiritualidade do cuidado. Vou propor um pequeno exercício de ordenar de forma sistemática algumas dessas evidências. Obviamente, dentro do espaço que temos, não será possível passar de uma simples “chuva de ideias” ou “chuva de percepções”, que proponho ordenar a partir de três perguntas amplas. É uma provocação  para o exercício pessoal de cada um e de cada uma e para a continuação do nosso diálogo.

  • Como está o conhecimento, no Brasil?
  • (Cuidado da dignidade humana). Após mais de duas décadas de esforços mais ou menos sucedidos pela instituição de políticas educacionais renovadas, inclusivas, inovadoras e abertas ao diálogo, assiste-se no Brasil nos dias de hoje a uma guinada brusca à “direita”. Trata-se de verdadeira guerra de ideias entre a denúncia contra a “ideologia de gênero” e a afirmação da diversidade e da liberdade de opções, que parecia consolidada na sociedade. Alguns Ministérios do atual Governo são os principais vetores do combate à “ideologia de gênero”, associando-a ao que é denominado por eles de “marxismo cultural” e, em consequência, um combate acirrado contra o mundo intelectual e cultural que ao longo das últimas décadas teria se alimentado nessas “ideologias perversas”. Este combate vem acompanhado por uma sutil promoção de uma espiritualidade e religião alienante cultivada por determinadas lideranças neopentecostais de grande poder mobilizador.
  • (Cuidado do meio ambiente natural). Com relação ao que nós denominamos cuidado do meio ambiente natural, imperam, hoje no Brasil, propostas explícitas de “combate a esse cuidado”, através de duas ideias chaves: 1) Os “recursos naturais” (sic) devem ser explorados intensivamente para gerar riqueza e o Estado deve garantir que isto possa acontecer; 2) Os defensores do meio ambiente são orquestrados por interesses do “comunismo” ou por interesses de organismos que querem internacionalizar a Amazônia, ou seja, apossar-se dos recursos naturais da Amazônia, em prejuízo aos interesses nacionais.
  • (Cuidado da sociedade). O que é notável em nível de concepções com relação ao meio ambiente natural, assume formas mais alarmantes com relação à própria sociedade e seu ordenamento político e econômico. Trata-se do cultivo do preconceito que dissemina a ideia de que a corrupção é algo endêmico no meio político e que os únicos que podem salvar a sociedade são os empresários geradores de trabalho e emprego. Predomina a ideia da naturalização das desigualdades e todos os defensores de políticas que busquem facilitar uma diminuição das desigualdades sociais, são rotulados como “comunistas”, seguidores do “marxismo cultural” e inimigos dos “cidadãos de bem”.
  • (Anotação sobre espiritualidade). Mas nem tudo são trevas… É impressionante o que a pandemia (da Covid-19)[9] conseguiu desencadear em termos de criatividade e disseminação do conhecimento. Pessoalmente me vejo diariamente surpreendido e impactado pelas incontáveis formas com que muitas pessoas, – em número crescente, pois isto é contagiante, – procuram socializar os seus conhecimentos e seus dons artísticos, de forma gratuita, muitas vezes movidos pelo esforço solidário de passar conhecimentos, boas ideias e bons momentos de lazer para os outros, em suma, de cuidar dos outros. A pandemia estimulou a espiritualidade do cuidado em nível de conhecimento. Independentemente da pandemia, nos últimos anos, talvez em grande parte como resposta ao alerta com relação aos riscos obscurantistas vigentes, estão se constituindo e reforçando importantes redes e iniciativas de educação popular para rearticular uma produção de conhecimento autêntica e democrática, amparada nisso que alguns denominam, por exemplo, no contexto amazônico, de “cuidadania”.
  • Como está o empenho da incidência cidadã nos rumos do Brasil?
  • (Cuidado da dignidade humana). A reconstrução cidadã do Brasil, após o longo período da ditadura militar, chegou a um patamar importante na promulgação da Constituição de 1988 que foi considerada a “constituição cidadã”. Nas décadas que se seguiram, muitos esforços, com sucessos e fracassos, foram realizados para regulamentar aquelas conquistas de 1988. No entanto, nos últimos anos, houve uma radical quebra em tudo isso. Os acirramentos ideológicos tomaram conta. Tornou-se inviável qualquer busca de diálogo construtivo. Nas últimas eleições presidenciais (2018), a indústria de “fake News” mostrou-se, sobretudo, como um instrumento poderoso, e talvez tenha sido o fator decisivo. A cultura das “fake”, crescentemente difundida nas redes sociais, desconsidera, ao extremo, todo e qualquer cuidado para com a dignidade das pessoas que são os alvos, ou seja, as vítimas.  Isto virou “cultural” ou seja, é um comportamento bastante generalizado em termos de “debate público” e de veiculação de ideias.
  • (Cuidado do meio ambiente natural). Isto também se revela quando se trata de pensar políticas com relação às terras indígenas, por exemplo. É repetidamente afirmado que aquilo que é defendido por certas lideranças no meio indígena, em geral de grande reconhecimento nacional e internacional, são ideias falsas atreladas a interesses estrangeiros. Busca-se, então, “libertar” os indígenas deste atrelamento e, em nome de uma política “de ajudar os indígenas a serem como nós”, pretende-se implementar uma legislação facilitadora da ocupação de terras reservadas aos povos indígenas para a exploração do capital ou para a implementação de grandes empreendimentos do próprio Estado.
  • (Cuidado da sociedade). Se voltarmos o nosso olhar para a sociedade enquanto tal e seu ordenamento político e econômico, teremos como constatações centrais o seguinte: O governo atual, que se elegeu em grande parte impulsionado pela disseminação de “fakes”, se caracteriza por: 1) Apoiar-se na ideia de que foi democraticamente eleito contando com o apoio dos “cidadãos de bem”; 2) Dar claras demonstrações de total desrespeito aos valores republicanos; 3) Orientar-se por uma política econômica falaciosa amparada num extrativismo selvagem e financeirização incerta; 4) Desarticular e desmontar ostensivamente políticas públicas e sociais duramente conquistadas a partir de várias gerações.
  • (Anotação sobre espiritualidade). Em termos de ordenamento político e econômico da sociedade, nestes tempos de pandemia sanitária, o Brasil vive um verdadeiro “pandemônio” de instabilidade e incertezas cotidianas. No meio desse “pandemônio”, podemos, no entanto, vislumbrar a prática da espiritualidade do cuidado de parte de muitas pessoas e grupos. Trata-se do cuidado vigilante para que as coisas não desandem de vez e o prejuízo seja grande demais para a população. É um cuidado que, em geral, não tem cor partidária e pode expressar-se tanto em manifestos junto aos órgãos de legislação pública e de decisão dos rumos do país, como, também, em campanhas e mobilizações de apoio imediato, para com as maiorias pobres mais necessitadas de alimentos e cuidados de higiene e saúde. Esta novidade ou expressão “inusitada” de cuidado certamente também é visível em algumas lideranças empresariais.
  • Como está o jeito de viver no dia-a-dia, no Brasil?
  • (Cuidado da dignidade humana). O cotidiano brasileiro está habitado por contrastes marcados pela naturalização de agressões à dignidade humana de toda ordem. Parece que a relação entre a casa grande e a senzala, do longo período de escravidão negra no Brasil, nos marcou de forma indelével. O desconforto de enormes favelas formando cinturões desumanos sem medida, cercando (de forma ameaçadora) o conforto e o luxo de conjuntos de prédios, palácios e mansões, parece constituir-se na marca registrada da maioria das grandes cidades do Brasil. Desenha-se, com naturalidade, na mente das pessoas um convite sutil a assumir esta realidade como algo dado e imutável: umas pessoas parecem estar merecendo mais do que as outras. A desconstrução desta naturalização da desigualdade é o grande desafio da ciência. No entanto, conforme já mencionamos acima, no início deste título, o Brasil está vivendo um clima de combate acirrado contra o mundo intelectual e cultural, pois este, ao mostrar a origem não natural das desigualdades, estaria alimentando “ideologias” ofensivas aos “cidadãos de bem”.
  • (Cuidado do meio ambiente natural). Existe uma distância enormemente abissal entre o cotidiano ou a vida do dia-a-dia das pessoas que vivem no submundo urbano e o das pessoas que vivem em situação mais ou menos confortável em seus apartamentos e casas, sem falar do “supermundo” das mansões de luxo. A naturalização da desigualdade é alimentada e reforçada diariamente através deste impacto visível da desigualdade nas condições habitacionais e de vida. Por dentro da percepção do déficit habitacional e da crescente realidade dos moradores de rua, que são dois grandes desafios para o cotidiano e a relação (in)justa dos seres humanos com o seu meio natural, a interrogação mais atenta deve ser dirigida ao mundo do desperdício que passa por dentro do modo de viver cotidiano em nossas casas, de menor ou maior conforto.
  • (Cuidado da sociedade). Tentar entender o impacto sobre o cotidiano, do que está acontecendo no Brasil hoje, nos alerta mais uma vez em relação às terríveis desigualdades. A pandemia, que assola o país, neste semestre, colocou esta questão a nu. Não se encontrou fórmula de “isolamento social” cabível num contexto tão desigual. Como forçar a ficar em casa pessoas que só encontram um pouco de liberdade e dignidade, na rua ou fora de casa? Não se tem registro de políticas afirmativas que realmente estivessem focadas nesta situação de desigualdade. Todas as políticas mais bem sucedidas no combate à Covid-19 estavam focadas na população que têm condições de um cotidiano e vida do dia-a-dia mais ou menos confortável. A principal preocupação repetidamente manifesta pelo poder executivo central do país, foi em chamar os trabalhadores a saírem de casa para trabalhar e ganhar o seu sustento. O empenho honesto e sincero por preservar a vida dessas pessoas e proporcionar lhes um mínimo de proteção nas condições limitadas e desumanas em que vivem, foi praticamente inexistente. O momento seria de tomarmos consciência, como nação, do tremendo problema de déficit habitacional em que o país está imerso. A pandemia trouxe muitos legados. Que este desafio do déficit habitacional também seja um legado.
  • (Anotação sobre espiritualidade). Uma espiritualidade do cuidado em nosso cotidiano deve estar marcada pela consciência permanente dos contrastes abissais existentes no habitat da população brasileira. É importante povoar o nosso próprio habitat dessa consciência, refletindo-se tanto no cuidado e atenção às pessoas que conosco vivem e que nos procuram, como cuidando do bom uso de tudo, evitando desperdício e favorecendo reaproveitamentos. Que as crianças e jovens que crescem em nosso meio possam beber de nossas vidas e de nosso testemunho, uma autêntica “cultura do cuidado”, ou seja: espiritualidade do cuidado.

PALAVRAS PARA (NÃO) CONCLUIR

No início desta fala eu referia o olhar da criança negra nos interrogando de dentro dos dejetos, do lixo e do submundo da periferia e referia, também, o olhar do líder indígena impactado tristemente pela presença de múltiplos monstros empreendedores, devastadores do seu habitat. São olhares que nos interrogam. A espiritualidade do cuidado é uma espiritualidade que se deixa interrogar por esses olhares e por muitos outros necessitados do cuidado.  

REFERÊNCIAS

BOFF, Leonardo. Reflexões de um velho teólogo e pensador. Petrópolis: Vozes, 2018.

CIRNE, Lúcio Flávio Ribeiro. O Espaço da Coexistência: uma visão interdisciplinar de ética socioambiental. São Paulo: Ed. Loyola, 2013.

FRANCISCO, Papa. Laudato Sí. (Carta Encíclica do Sumo Pontífice). São Paulo: Paulus/Loyola, 2015.

FOLLMANN, J. I. O ‘Cuidado Da Casa Comum’ Como Caminho De Espiritualidade E Justiça. Revista Convergência. Rio de Janeiro, Vol. LIV, n. 523, 2019a, pp. 58-69

FOLLMANN, J. I. Justiça Socioambiental e Vida Religiosa Consagrada. Revista Convergência. Rio de Janeiro, Vol. LIV, n. 526, 2019b, pp. 50-60.

JESUÍTAS. Marco de Promoção da Justiça Socioambiental: Marco PJSA. Rio de Janeiro: Companhia de Jesus, Província do Brasil, 2ª Ed. Reformulada e atualizada, Publicação provisória PDF, maio de 2020.

PINHEIRO, A. A.. O Espelho Quebrado da Branquidade: Aspectos de um Debate Intelectual, Acadêmico e Militante. 1. ed. São Leopoldo: Casa Leiria, 2014.


NOTAS

[1] Professora da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, doutora em Ciências Sociais, coordenadora do Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas – NEABI.

[2] Os textos deste sub-título e do próximo reproduzem diversos excertos do Marco da Promoção da Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil, em sua nova edição provisória (JESUÍTAS, 2020), também já presentes em artigo de minha autoria publicado na Revista Convergência em 2019. (FOLLMANN, 2019b)

[3] Trata-se de um “Observatório em Rede” da Província do Brasil, Companhia de Jesus, com núcleo articulador em Brasília, DF. www.olma.org.br 

[4] São os mesmos “atalhos operacionais” assumidos também pelo Marco da PJSA já mencionado.

[5] Na segunda parte deste subitem são reproduzidos excertos de artigo publicado na Revista Convergência. (FOLLMANN, 2019a)

[6] Destaco, no momento presente, a eleição do Papa Francisco (2013) e a surpreendente viagem dele à Ilha de Lampedusa, sul da Itália, alguns meses depois de assumir como Líder Máximo da Igreja, onde ele denunciou a “globalização da indiferença”. Destaco também os recorrentes apelos deste Papa por uma “Igreja em saída”.

[7] CIRNE, 2013, p.191-197, com o subtítulo “ética ambiental e espiritualidade” fala em uma verdadeira conversão do ser humano. Refere dois caminhos paradigmáticos importantes na tradição cristã: a herança espiritual de Francisco de Assis, conhecida sobretudo pelo famoso “Cântico das Criaturas”, que expressa o louvor ao Deus altíssimo, a humanidade que se faz irmã das criaturas e o respeito e admiração por todo o mundo criado; e a herança dos Exercícios Espirituais de Santo Inácio de Loyola, no qual o próprio Princípio e Fundamento apresenta um caminho de vida no qual Deus, o ser humano e o ambiente (o mundo) estão intimamente inter-relacionados; encontrar Deus em todas as coisas e todas as coisas em Deus é o grande horizonte na “oração para alcançar o amor” dos Exercícios Espirituais Inacianos.

[8] “Onde estás”? Foi assim que Deus interpelou Adão. (Gn 3,9).[8]  “Onde está o teu irmão”? Foi assim que Deus interpelou Caim. (Gn 4,9). “Como está a criação”? Assim interpela Deus a humanidade, não deixando que ela esqueça seu mandato de cuidar de tudo. (Gn. 1, 26-31; 2, 15). No que se refere a Gn. 2, 15 e, especialmente, Gn. 1, 26-31, em termos teológicos “o ser humano na criação” está abordado de forma muito detalhada e profunda por CIRNE, 2013, p. 82-89.

[9] Este texto foi concluído no auge dos efeitos, no Brasil, da pandemia da COVID-19, que mexeu com toda a humanidade no primeiro semestre de 2020.

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