CARTA DO PROVINCIAL: “NOVA MISSÃO”

Crônica escrita em 25/03/2023, referente a “Nova Destinação” recebida em 18/03/2023

José Ivo Follmann, sj (25/03/2023)

Era 18 de março de 2023, nove horas da manhã; um belo sábado. Naquela hora eu já havia cumprido uma longa agenda rotineira de um madrugador contumaz, de “amanheceres precoces”. A gostosa disciplina de, quase sempre, me antecipar ao amanhecer, me faz bem. Sempre me considerei um religioso disciplinado. Aprendi, é claro, que existem muitas formas de disciplina… O convívio plural, mesmo que, às vezes, pareça incômodo, pode tornar-se algo gostoso e desafiador, dentro da própria vida religiosa em comunidade; sobretudo, quando é uma comunidade em dispersão, como é a nossa, de jesuítas em Brasília.

Era hora de iniciar o trabalho propriamente. Abri o computador e fui direto aos e-mails. Os meus olhos brilharam, não surpresos, mas intrigados ao ver o e-mail que puxava a lista dos “não lidos”. O e-mail era do escritório central de nossa Província Jesuíta, conhecido como “Cúria Provincial”. O título dizia “Carta do Provincial: Nova Missão”. A carta era esperada, pois a minha presença em Brasília, desde o início, tinha previsão de temporalidade curta e isto já havia sido resultado de muitas conversas. No entanto, me encantei com o título do e-mail, falando em “nova missão”. Pensei comigo: “isto não precisava ter sido tão rápido”!… Mas, o encanto do “novo” me possuiu.

Antes mesmo de abrir o e-mail, o meu pensamento voou célere. “Que interessante!!!”, pensava eu comigo mesmo… Estou recebendo uma “Nova Missão” para a mesma Universidade onde acabo de completar cinquenta anos de vínculo de trabalho. No início deste mês de março, eu completara exatamente cinco décadas de contrato na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, na qual assumi como professor de sociologia, em 1973, quando ainda era estudante de teologia. Isto foi dois anos antes de receber a ordenação presbiteral. Na soma dos cinquenta anos, obviamente, estão incluídos os últimos dez, ao longo dos quais eu estive cedido parcialmente para atividades em nível de Província e de âmbito nacional; um tempo no qual não deixei de atender às obrigações acadêmicas, é claro, em formato mais reduzido, somando muitas horas de viagem e de internet.[1]

Li a carta do Provincial com os seus agradecimentos pelos serviços prestados como Secretário para a Justiça Socioambiental e na criação e consolidação do OLMA (Observatório Luciano Mendes de Almeida), como membro do Conselho para a Missão da Província e nas demais contribuições prestadas em Brasília, ao longo do recente período de transição. Nessas ocasiões os agradecimentos sempre são profusos e generosos e fazem bem ao coração.

O mote principal da carta do Provincial estava formulado nesses dizeres: “o contexto atual já possibilita liberar você para uma NOVA MISSÃO”. O Provincial não dizia “para retomar integralmente a sua antiga missão” … A carta concluía com a consideração seguinte: “Mesmo morando em Brasília, você continuou colaborando com a Unisinos e essa colaboração ainda é valiosa para a universidade e para a missão da Companhia. Olhando o contexto da província, percebo a necessidade de requalificar a nossa presença em São Leopoldo. (…) Você poderá continuar a ser um apoio significativo. Tendo considerado esses e outros aspectos, decidi destinar você para a Comunidade Imaculada Conceição, em São Leopoldo. Sua missão principal será colaborar com a Unisinos”.

Se alguém tivesse me fotografado ao ler essa “carta de destinação”, com certeza teria registrado um brilho de gratidão e encanto ingênuo nos meus olhos. É verdade que, no brilho dos olhos, um fugidio turvar podia ser também perceptível frente ao fato de ter que deixar um lugar de convívio e trabalho tão gostoso, como é este recanto brasiliense renovado e desafiador, desenhado discretamente no carinho das pessoas e nos momentos vividos e construídos, férteis de saudade e de futuro promissor.

Mas voltemos ao discreto fotógrafo. Com certeza, ele também não teria deixado de reparar aquele pequeno sorriso maroto no canto da minha boca, como que a dizer: “Sobrevivi a todos os seis reitores da história da Unisinos, posso tentar sobreviver também ao sétimo, que agora me convida a voltar” … Tenho no meu íntimo a certeza de que,  em diversas medidas, eu soube ser pedra no sapato de todos os reitores; mas, acho que, entre polêmicas e calmarias, negações e afirmações, esse foi sempre um incômodo coerente com um sonho de universidade, cultivado na firmeza permanente, sem confrontos inócuos; sonho que, parafraseando o Papa Francisco, poderíamos chamar, agora, de “universidade em saída”.

Confesso que o impacto da leitura daquela carta do Provincial me envolveu num maravilhoso embalo de distração e curtição ao longo de todo aquele final de semana. Foi um final de semana tocado na brisa leve, confortante e intrigante do “novo” da “nova missão”…

Na verdade, é muito gostoso ser chamado para “nova missão” na mesma universidade onde se está completando cinquenta anos de trabalho. Sobretudo sabendo que foram anos, em nada parecidos com tempos de “paz de cemitério” …

Pensei comigo mesmo: Em toda a minha trajetória já protagonizei a criação de muitas coisas novas, naquela Universidade e na dimensão social da Companhia de Jesus no Brasil . Está na hora de entender que o novo não está em fazer coisas novas, mas em fazer novas todas as coisas. É preciso saber viver mais plenamente o tempo e desfazer-se da preocupação mesquinha de apropriar-se dos espaços. Na dinâmica do tempo é necessário que as forças novas, com mais futuro pela frente, tenham espaço de protagonismo, para evitar que a história emperre e fique, talvez, demasiado lenta.

Elevo um hino de gratidão a Deus pelos muitos aprendizados que vou tendo na vida, através de tantas pessoas que carinhosamente partilharam e partilham permanentemente trechos inesquecíveis comigo, em meu caminho, e, sobretudo, por poder viver na Igreja em tempos de Concílio Vaticano II e de Papa Francisco e em tempos de impulso novo e de renovação da presença jesuíta no Brasil.


[1] Fui cedido parcialmente pela Universidade, dentro do processo de gestação e instituição da Província do Brasil, quando exerci a função de Secretário para a Justiça Socioambiental dos Jesuítas no Brasil, a partir de agosto de 2013 e fui transferido, em 2018, para Brasília, para estar fisicamente mais presente no processo de consolidação do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA, que havia sido criado em 2016, cuja função principal é ser um serviço de articulação de toda a Rede de Promoção da Justiça Socioambiental da Província, como braço importante do Secretário para esta finalidade. O OLMA, com um secretário executivo uma equipe executiva bem estruturada, está consolidado em Brasília, instalado no CCB, e, entre outras atividades de mediação de incidências, a sua atividade principal continua sendo a de estar a serviço do Secretário para a Justiça Socioambiental. (A partir de agosto de 2022 este Secretário é o Pe Jean Fábio Santana sj, atuando a partir de Salvador, BA).

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