IDENTIDADE E MISSÃO NA EDUCAÇÃO SUPERIOR JESUÍTA NA AMÉRICA LATINA: TRINTA ANOS DE AUSJAL, CRESCENDO EM SINERGIA E COMPROMISSO.

(Texto escrito para a Revista CARTA AUSJAL em 2015)

Pe José Ivo Follmann sj (02/03/2015)

INTRODUÇÃO: ALGUNS DESTAQUES GERAIS

A Associação das Universidades Confiadas à Companhia de Jesus na América Latina – AUSJAL, completa neste ano de 2015, o seu 30º aniversário. É uma história que pode ser resumida como sinergia ou esforço conjunto das Universidades e Instituições de Educação Superior Jesuítas, na realização de sua IDENTIDADE e MISSÃO comuns, dentro do contexto diversificado e desafiador latino-americano. Quero, mesmo que em uma perspectiva pessoal bastante limitada, prestar a minha homenagem a esta história e celebrar a grande alegria de poder fazer parte dela.

Os meus contatos mais sistemáticos com AUSJAL iniciaram em 1995 e, de forma crescente, desde aquele ano, a sua proposta foi tomando conta do meu horizonte de engajamento acadêmico. O primeiro texto que conheci foi “Desafios da América Latina: Resposta Educativa da AUSJAL”.[1] Percebi que o texto havia sido o resultado de um longo processo de reflexão, que acompanhara praticamente os primeiros 10 anos de existência desta rede, processo no qual a própria AUSJAL fizera o seu auto-reconhecimento e sua auto-compreensão, enquanto rede de educação superior jesuíta no e para o contexto latino-americano. O texto contribuiu no meu próprio processo de repensar e me reposicionar com relação ao meu engajamento acadêmico, pois, apesar de estar atuando neste meio desde 1973, eu ainda não estava totalmente convencido da total pertinência disso na minha opção jesuíta.

A história da AUSJAL iniciou em 1985, em decorrência de um importante apelo do então Superior Geral Pe Peter Hans Kolvenbach sj, no final de uma reunião internacional de universidades em Roma. Foi um impulso dado, a partir de Roma, para que se criasse isto que é efetivamente a primeira rede universitária na América Latina com uma IDENTIDADE e MISSÃO compartilhadas. A rede se constituiu e, agora, em 2015, celebra os seus trinta anos, depois de uma longa e desafiadora história de sinergia ou compartilhamento de estratégias comuns voltadas para a transformação educativa e social da região ou o compromisso com o desenvolvimento social sustentável.

Na minha leitura pessoal, é importante que situemos o processo de criação e primeiros passos da AUSJAL no horizonte de dois eventos paradigmáticos, aparentemente distantes entre si no tempo, mas tremendamente próximos em significado para as Universidades Jesuítas, no contexto latino-americano.

O primeiro evento é o posicionamento assumido pela Companhia de Jesus, na Congregação Geral[2] de 1974 (CG 32), na explicitação de sua Missão enquanto “serviço da fé e promoção da justiça”, ou mais precisamente: “serviço da fé do qual a promoção da justiça se constitui como exigência absoluta” (CG 32, d.4, n.2).

O Pe Pedro Arrupe sj, então Superior Geral, na presidência da sessão que aprovou o referido decreto (d.4), assim se expressou:

Estamos bem conscientes do que acabamos de votar e aprovar? A partir de agora, a prioridade das prioridades de nossa missão é o serviço da fé e a promoção da justiça. Por causa dessa decisão vamos ter novos mártires na Companhia de Jesus.[3] 

O segundo evento foi o 16 de novembro de 1989, quando na Universidade Centro-Americana de El Salvador, os padres Ignacio Ellacuría, Ignacio Martin-Baró, Segundo Montes, Juan Ramón Moreno, Amando López e Joaquín López foram assassinados por seu compromisso com a paz durante a guerra que assolava El Salvador. Junto com eles foram também assassinadas, a senhora Elba Ramos, que trabalhava na residência e sua filha Celina Ramos.

O Pe Ignacio Ellacuría sj, que era o Reitor da Universidade, um filósofo de grande envergadura e pensador brilhante, enxergava a Universidade em sua dimensão de compromisso social, com consistente radicalidade:

A universidade deve encarnar-se entre os pobres para ser ciência daqueles que não têm ciência, a voz ilustrada dos que não têm voz, o apoio intelectual dos que em sua própria realidade têm a verdade e a razão, mas não contam com as razões acadêmicas que justifiquem e legitimem sua verdade e sua razão.[4]

Este jesuíta dizia que um posicionamento assim exigia vigilância permanente, capacidade intelectual com muita criatividade e indeclinável fervor pela justiça social, com coragem para superar ataques, incompreensões e perseguições.[5]

Ao descrever brevemente o 16 de novembro de 1989 e referir o nome das pessoas assassinadas, naquele ato bárbaro inesquecível, na UCA de El Salvador, o recente documento “La Promoción de la Iustitia en las Universidades de la Compañía”, do Secretariado para a Justiça Social e Ecologia, do Governo Central da Companhia de Jesus, conclui com o seguinte comentário: “As universidades da Companhia os têm como seus próprios mártires, devido ao seu compromisso em prol da “justiça que brota da fé”.[6]

Um processo rico de reflexões sobre o significado e a amplitude desta “justiça” permeou a Companhia de Jesus nas últimas 4 décadas. A história vivida por AUSJAL em seu processo de constituição e consolidação deu-se, em grande parte, no horizonte desse contexto de amadurecimento conceitual. Em suas últimas Congregações Gerais – CG, a partir da CG 32/1974, como já foi mencionado, destacando, na sequência, a CG 34/1995 e a CG 35/2008, a Companhia de Jesus incorporou na explicitação de sua MISSÃO, a complexidade de nossa época.

A partir dessas Congregações a sua formulação pode ser sintetizada nos seguintes termos: A MISSÃO da Companhia de Jesus tem o seu foco central no “serviço da fé do qual a promoção da justiça se constitui como exigência absoluta” (CG 32, d.4, n.2), consubstanciando-se, de modo especial, no “diálogo cultural” e no “diálogo inter-religioso” (CG 34, d.2, n.14-21), na “reconciliação com Deus”, “com os outros” em sociedade e “com a criação” (o meio ambiente)(CG 35, d.3, n. 19-36) e na atenção às “novas fronteiras” para as quais a realidade complexa de nossos dias desafia permanentemente(CG 35, d.1, n.15; CG 35, d.2, n.20-24).[7]

A importância das Universidades e da Educação Superior Jesuíta foi pauta de muitas reflexões e documentos na Companhia de Jesus, neste período. O Superior Geral da Companhia, que mais se destacou nisto, por suas reflexões escritas e faladas sobre a importância desta frente de engajamento apostólico jesuíta, foi, sem dúvida, o Pe Peter Hans Kolvenbach sj. Segundo este Superior Geral:

Todo centro universitário jesuíta de ensino superior é chamado a viver dentro de uma realidade social (…) e a viver para tal realidade social, a iluminá-la com a inteligência universitária, a empregar todo o peso da universidade para transformá-la. Assim, pois, as universidades da Companhia têm razões mais fortes e distintas das outras instituições acadêmicas ou de pesquisa para dirigir-se ao mundo atual, tão acomodado na injustiça, e para ajudá-lo e refazê-lo à luz do Evangelho.[8]

Muitas outras reflexões poderiam ser lembradas, tanto de parte do Governo Geral da Companhia de Jesus, quanto de jesuítas engajados diretamente na vida acadêmica. Pessoalmente quero fazer uma referência a um nome, que marcou profundamente o meu horizonte com relação ao papel das Universidades na América Latina. Trata-se do Pe Xabier Gorostiaga sj.

Com a morte repentina e imprevista do Reitor da Universidade Centro Americana – UCA de Nicaragua, Pe Cesar Jerez, sj, o Pe Gorostiaga sj teve que assumir  o Reitorado desta instituição. O fez contra a sua vontade, como registrou mais tarde em depoimento pessoal, pois não acreditava na possibilidade de transformar este meio em espaço efetivo de promoção da justiça. No entanto, o caminho andado no dia a dia da vida universitária e o papel de Secretário Executivo da AUSJAL, que também desempenhou, transformou-o em aguerrido combatente pela missão transformadora da Universidade no contexto latino-americano, como revela o seu próprio relato escrito. Afirmou um compromisso pessoal por “re-fundar” a Universidade, pelo desenvolvimento humano sustentável e pela democratização do conhecimento como um dos principais eixos de superação da pobreza e de afirmação da cidadania.[9]

O Pe Xabier Gorostiaga sj, como economista acreditava num novo formato da sociedade mundial. É o que denominava de globalização solidária, capaz de exaltar e compreender o pluralismo cultural e étnico e a defesa do meio ambiente.[10]

Sempre foi otimista e mesmo depois das desilusões sofridas com o Governo Sandinista de que participara, mostrava-se esperançoso e a sua crença se resumia em três palavras: humildade, humanismo e humor. Mesmo no meio das maiores crises enfrentadas, manteve sempre viva a consciência do valor da educação e, acentuava que “nisso a universidade tem um papel fundamental.”[11]

Como o leitor percebe, a minha visita às origens da AUSJAL ou, mais propriamente, a minha visita aos meus primeiros contatos com esta rede, foi rápida e parcial. Não poderia ser diferente. Quero, no entanto, encerrar esta “visita” convidando para um olhar renovado sobre os termos da MISSÃO que AUSJAL definiu e assumiu para si:

Fortalecer a articulação em rede de seus associados com a finalidade de estimular a formação integral dos estudantes, a formação contínua dos acadêmicos e colaboradores, na inspiração cristã e identidade inaciana, a investigação que incida em políticas públicas, nos temas que lhe são próprios como universidades jesuítas, e a colaboração com outras redes ou setores da Companhia de Jesus. Tudo isso como realização do trabalho das universidades a serviço da fé, a promoção da justiça e o cuidado do meio-ambiente.[12]

Deixei propositalmente para o final desta introdução, a formulação da MISSÃO da rede AUSJAL. Na visita rápida e parcial realizada, que foi uma caminhada com passo apressado pelos meandros da história originária desta rede, alguns pontos de atenção importantes puderam ser registrados. É uma história rica e complexa e os registros poderiam ser infinitos, mas o que melhor os sintetiza é, sem dúvida, o registro dos termos da MISSÃO.

Concluída a caminhada introdutória, quero, agora, trazer alguns apontamentos sintéticos sobre aspectos da AUSJAL que me envolveram pessoalmente, de modo especial, e que se transformaram dentro de mim em motivos importantes para acreditar nesta rede de redes como um espaço fecundo de manifestação da IDENTIDADE e MISSÃO da Companhia de Jesus no contexto latino-americano, hoje.

1)FORMAÇÃO HUMANÍSTICA DE ORIENTAÇÃO CRISTÃ

O documento “Desafios da América Latina: Resposta Educativa da AUSJAL” (1995) foi efetivamente a primeira grande plataforma oficial desta rede. A primeira grande lição que aprendi e que calou fundo em meu engajamento acadêmico foi a proposta de que todas as Universidades Jesuítas da rede se empenhariam em proporcionar a seus estudantes três grandes eixos comuns de conhecimento humanístico:  1) Formação sobre América Latina; 2) Formação Antropológica; 3) Formação Ética.[13]

Lembro como, naquele momento, há vinte anos, protagonizamos diálogos vigorosos internos à nossa instituição, gerados ao longo do processo de implantação dessa proposta. Os movimentos favoráveis e desfavoráveis que se fizeram sentir e as reflexões fecundas, ajudando a melhorar a percepção interna da própria IDENTIDADE e MISSÃO de uma Instituição de Educação Superior Jesuíta, foram marcantes e salutares.

Hoje, percebo, com alegria, o quanto essa proposta, gestada por AUSJAL, em 1995, e tendo dado os seus primeiros passos efetivos em nossa instituição em 1997, conseguiu a sua consolidação dentro da cultura da Universidade. A proposta se diversificou, dando conta, ao mesmo tempo, do direcionamento inicial, ou seja, os três eixos, das diferentes culturas acadêmicas, com adequações junto às diferentes áreas. Conseguiu, também, atender a exigências da legislação educacional do País, como, por exemplo, as temáticas “Educação das Relações Étnico-Raciais” e “Educação Ambiental”, previstas na legislação para o ensino formal em todos os níveis. Além de algumas disciplinas específicas conforme os Cursos (Carreras), essas temáticas são abordadas, de forma transversal, nos três grandes eixos da formação humanística. Certamente as demais instituições da rede viveram processos semelhantes e podem celebrar os seus resultados.

O objetivo central da proposta de formação humanística era e é ajudar os estudantes a abrirem os horizontes de seus entendimentos especializados e disciplinares para uma compreensão mais ampla de comprometimento com o ser humano, enquanto tal, as exigências éticas envolvidas nisso e a importância de nossa inserção latino-americana no grande movimento da história que vivemos.

O desafio que se impõe hoje à universidade é a formação integral daqueles que buscam na Academia a sua capacitação para o exercício profissional. É um desafio porque, a par das rápidas mudanças que vivemos e da esclerose relativamente fácil de profissões constituídas, a humanidade está, mais do que nunca, à beira da falência humana, decretada por uma ilustração técnico-científica muitas vezes amparada em fundamentos de consistência duvidosa e, até mesmo, defasada no tempo.

Um contexto assim exige a presença de profissionais inovadores e humanamente integrados, capazes de enxergar e criar além dos limites dos pequenos mundos de suas especialidades.

2) AS TRÊS QUESTÕES ORIENTADORAS DO PRIMEIRO PLANO ESTRATÉGICO

Entre os legados deixados pelo Pe Xabier Gorostiaga sj está, sem dúvida, a marca dele  no texto do Plano Estratégico da AUSJAL para os anos 2001 a 2005.[14] Naquele texto estão formuladas três perguntas, como grandes balizamentos para a gestão das universidades:

Em nosso “que fazer” universitário, a primeira pergunta sempre deve ser: Que sociedade queremos? Destacando-se que as universidades existem como um serviço público à sociedade. Não podemos perder isso de vista. Quem se envolve nesse serviço deve, em primeiro lugar, prestar contas à sociedade.

Uma segunda pergunta naturalmente se seguirá: Que sujeitos formar para essa sociedade que queremos? Que educação necessitamos? Destacando-se que, hoje, mais do que nunca, os estudantes necessitam que sejam cultivados, neles, valores que os chamem a serem sujeitos capazes de assumir responsavelmente a construção da sociedade. Eles necessitam, para tal, vivenciar, em nosso meio, uma efetiva formação integral.

E a terceira pergunta consequentemente fará voltar o nosso olhar para as universidades enquanto tal: Que universidade para formar esses sujeitos? Que universidade para ser coerente com a educação proposta e a sociedade buscada? Certamente é necessária uma profunda ressignificação da relação entre universidade e sociedade.

Estas perguntas bem respondidas deveriam ser o conteúdo central do projeto político pedagógico de toda instituição de educação superior. Dentro da MISSÃO da Companhia de Jesus “a sociedade que queremos”, sempre, levará a marca da promoção da justiça socioambiental, ou seja, estará orientada para a construção de sociedade sustentável. Os sujeitos que são formados nas instituições jesuítas deverão ter facilitadas oportunidades e condições para desenvolverem, dentro de si, além das qualidades de excelência acadêmica, valores e atitudes de promoção da justiça socioambiental, nas relações interpessoais (de rejeição dos preconceitos e discriminações), nas relações sociais (de combate às desigualdades sociais) e nas relações com o meio ambiente (de cuidado com os bens da criação).

Isso também redobra em nós a obrigação de ajudar a fazer de nossas instiuições, verdadeiras universidades, no sentido mais radical de fazer delas espaços onde as diversas ciências e saberes interajam com maior fecundidade e vigor, de uma forma aberta ao que é novo ou ao que, muitas vezes, está posto à margem, constituindo-se em espaços de criação interdisciplinar e transdisciplinar e ambientes propícios para a geração e o desenvolvimento de homens e mulheres profissionais competentes, conscientes e decididamente comprometidos com a construção de uma sociedade orientada para o resgate da dimensão humana da existência e da sustentabilidade.

3) RESPONSABILIDADE SOCIAL UNIVERSITÁRIA – RSU E O COMPROMISSO AMBIENTAL

A minha participação maior na AUSJAL vem sendo através da rede de Responsabilidade Social Universitária – RSU. O conceito formulado pela AUSJAL está inspirado em Vallayes (2006), nos seguintes termos:

A habilidade e efetividade da universidade em responder às necessidades de transformação da sociedade em que está imersa, mediante o exercício de suas funções substantivas: ensino, pesquisa, extensão e gestão interna. Estas funções devem estar animadas pela busca da promoção da justiça, da solidariedade e da equidade social, mediante a construção de respostas exitosas para atender aos desafios implicados em promover o desenvolvimento humano sustentável.[15]

Neste conceito são pautadas cinco dimensões da vida acadêmica. Trata-se de cinco dimensões da universidade que, a rigor, nos proporcionam ângulos suficientes para visualizar a totalidade da vida de uma Universidade. Aprendi, no convívio dentro dos fóruns estabelecidos para implantar e aperfeiçoar o sistema de avaliação da vida acadêmica sob o ponto de vista da RSU, a importância de se estar atento a estas cinco dimensões e o quanto isto faz parte do modo de proceder em uma instituição jesuíta.

Estou sempre mais convencido, que devemos estar atentos, de forma integrada, a essas cinco dimensões: a educativa (a vida acadêmica em seu processo de ensino-aprendizagem), a epistemológica e cognoscitiva (a vida acadêmica em seu processo de produção de conhecimento), a organizacional (a vida acadêmica em sua gestão organizacional e administrativa interna), a social (a vida acadêmica em sua relação com a sociedade), e a ambiental (a vida acadêmica em sua relação com o meio ambiente). A avaliação da vida acadêmica só será efetiva e completa quando conseguirmos dar conta destas cinco dimensões de forma integrada, no próprio processo avaliativo. O impacto ou a presença da academia se dará através destas cinco dimensões. O que a AUSJAL faz para avaliar a Responsabilidade Social Universitária pode ser um modelo inspirador para uma avaliação mais ampla de todo o ‘que fazer’ universitário e de avaliação da excelência acadêmica.

Quero mencionar, no final deste item, duas inserções minhas específicas em grupos e redes da AUSJAL, que ajudaram a ampliar a minha percepção da importância e alcance da RSU.

Em primeiro lugar, acompanhei de perto o Projeto da Pobreza e participei em diversas oportunidades do seu processo de amadurecimento, tanto enquanto proposta de ensino, quanto na proposta da pesquisa. O projeto explicita o compromisso das nossas Universidades em dar a sua contribuição no combate às causas da pobreza no contexto latino-americano, ou seja, em incidir diretamente com sua expertise na promoção da justiça social. A vida acadêmica em sua relação com a sociedade fiel à MISSÃO da Companhia de Jesus, só pode ter isto como pauta primeira. Aprendi que este compromisso pode ser atendido de muitas formas por uma universidade.

Em segundo lugar, os meus contatos e participações recentes junto ao Grupo do Meio Ambiente e Sustentabilidade, também conhecido como Rede de Homólogos Ambientais. Neste fórum avancei na percepção da importância de uma compreensão integrada entre a justiça social e a justiça ambiental. Se, por um lado, as agressões ao meio ambiente físico muitas vezes são um subproduto das desigualdades sociais, por outro lado, é constatação que quem mais é prejudicado pelo meio ambiente físico degradado são aqueles setores da sociedade que mais sofrem devido à desigualdade. Para sermos Universidades Socialmente Responsáveis, dentro da concepção que nos define, precisamos ser agentes de justiça socioambiental e, na esteira disso, promotores da construção de sociedades sustentáveis.

4) INTERDISCIPLINARIDADE E TRANSDISCIPLINARIDADE

Sou muito grato à AUSJAL por me ter proporcionado a participação em todos esses fóruns. Foi nesses espaços que cresceu também a minha convicção sobre a importância radical da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade.

Não é de forma gratuita que o glossário que acompanha do documento de “Políticas e Sistema de Auto-avaliação e Gestão da Responsabilidade Social Universitária na AUSJAL”, conclui com dois conceitos chaves: o de interdisciplinaridade e o de transdisciplinaridade.

Não é necessário transcrever aqui os conceitos ali apresentados, mas vou permitir-me pontuar algumas considerações em relação aos três aspectos até aqui postos e a importância da interdisciplinaridade e da transdisciplinaridade com relação a isto.

Em primeiro lugar, a formação integral, visada diretamente pela proposta de formação humanística, supõe a integração dos saberes e supõe, portanto, também o não-fechamento e a abertura dos saberes, no sentido de se alimentarem mutuamente e, sobretudo, de se deixarem transcender (ultrapassar) na permanente busca do melhor bem para o ser humano e o seu contexto. Isto faz parte do cerne da IDENTIDADE jesuíta. A interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade nasceram com essa vocação, ou seja: por meio delas se busca a integração das disciplinas e de outros saberes de fora das disciplinas, dentro do mesmo sentido aqui exposto, proporcionando formação integral.

Quando a AUSJAL apontou para a importância da presença das três áreas temáticas de formação humanística, acima referidas, em todos os currículos, deu um passo instigante não só em provocar uma real cultura de interdisciplinaridade, mas de promover a cultura transdisciplinar trazendo interrogantes externos para dentro das gramáticas demasiadamente cartesianas dos currículos. A proposta da AUSJAL apontou três interrogantes de importância fundamental: as interrogações antropológicas, as interrogações éticas e as interrogações históricas de cidadãos do mundo situados responsavelmente no continente latino-americano.

Em segundo lugar, na complexidade dos contextos latino-americanos em que as Universidades Jesuítas estão inseridas, as respostas às perguntas “que sociedade nós queremos?” “que tipo de profissionais e cidadãos?” e “que tipo de educação e de universidade nós precisamos, para tal?” só poderão ser colhidas num amplo processo de atenção interdisciplinar e transdisciplinar.

Em terceiro lugar, a interdisciplinaridade e a transdisciplinaridade são chaves fundamentais para o sucesso da Responsabilidade Social Universitária – RSU em todas as suas dimensões. Tanto na vida acadêmica em seu processo de ensino-aprendizagem, em seu processo de produção de conhecimento e em sua gestão organizacional e administrativa interna, como a vida acadêmica em sua relação com a sociedade e com o meio ambiente, são fóruns e espaços de incidência onde a cultura interdisciplinar e a cultura transdisciplinar são condições determinantes e definidoras de qualidade e sucesso.

PARA CONCLUIR: PERSPECTIVAS DE FUTURO

A pergunta é: “como vejo AUSJAL como rede de redes das Instituições de Educação Superior Jesuíta em América Latina para os próximos anos”?

Vejo com muita esperança e entusiasmo!… Mas, antes de tentar esboçar uma resposta minha a esta pergunta, quero mais uma vez sublinhar o que já mencionei no início: este artigo foi construído a partir daquelas pontas de AUSJAL nas quais eu pessoalmente estive e estou envolvido. É uma leitura – descrição e reflexão – parcial e muito pessoal. Não foram mencionadas diversas redes e atividades de AUSJAL, tão e mais importantes que as aqui referidas. Procurei honestamente manter-me na maneira estrita como me foi proporcionado perceber, conhecer e envolver-me na proposta de AUSJAL. Neste sentido o texto pode, também, ser lido como a minha manifestação de gratidão, enquanto jesuíta engajado na Universidade e na Promoção da Justiça Socioambiental.

Colocando-me agora em uma perspectiva de futuro, como me foi solicitado, quero concluir este texto, apoiado nas rápidas notas acima apresentadas, com duas considerações finais.

Nós temos um “DNA” acadêmico comum. Podemos resumi-lo como excelência acadêmica com compromisso socioambiental. As nossas instituições devem buscar a excelência e gerar um impacto coletivo pela excelência interconectada e mutuamente cultivada na rede AUSJAL. A qualidade das nossas atividades e ambientes de pesquisa e formação profissional se caracterize por possibilitar, por um lado, excelência e espírito inovador na qualificação profissional e na produção de conhecimento e, por outro lado, cultivo sério de valores e atitudes de compromisso socioambiental, ajudando a formar agentes de construção de sociedades sustentáveis. Isto se dará tanto pelo testemunho institucional, como pelo modo de proceder em todo processo educativo.

O presidente da AUSJAL, Pe Fernando Fernandez Font sj, falando de e para a Universidade Ibero Americana de Puebla demonstrou o seu máximo orgulho de que “ninguém e nada conseguiu nos dobrar em nossos princípios” e a sua alegria e esperança em poder participar de um dos maiores benefícios de um ser humano, o de ajudar a “reconstruir o futuro a partir da educação da juventude” e formar “profissionais com qualidade socialmente pertinente”, os “melhores para o mundo”, a partir da “perspectiva dos pobres”, “do sul para o sul”.[16]  Para ele quem se forma em nossas instituições deverá distinguir-se pelo compromisso responsável pelo outro e pelo futuro da vida  de nosso planeta. É o discurso que afirma que as nossas instituições buscam a excelência na qualidade e ao mesmo tempo o compromisso social e ambiental. É o “DNA” das Instituições de Educação Superior Jesuíta. Não é um discurso solitário. Essas palavras fazem ecoar o discurso de todos os reitores das instituições da AUSJAL e, sobretudo, o discurso do Governo Central da Companhia de Jesus. Um longo caminho já está feito na transformação deste discurso em prática, mas, com certeza, temos ainda muito a caminhar…

Nós temos uma CHAVE de trabalho partilhada muito interessante. As reflexões a partir das avaliações relativas às cinco dimensões consideradas pela Responsabilidade Social Universitária – RSU apontam, particularmente, para uma CHAVE, que ajuda a pensarmos o futuro de AUSJAL. A sinalização central é que o nosso esforço se volte para a produção de conhecimentos e a formação de profissionais comprometidos com a construção de sociedades sustentáveis. Isto deverá ser perceptível em todas as dimensões de nossa vida acadêmica: nos processos de ensino-aprendizagem enquanto tal, nos processos de produção de conhecimento, na gestão organizacional e administrativa interna, nas escolhas feitas com relação aos engajamentos sociais concretos e na maneira como cuidamos do meio ambiente.

As nossas instituições devem sentir-se permanentemente desafiadas a envolver-se nas novas “fronteiras” da humanidade e, sobretudo, a identificá-las, inserindo-as em seu próprio cotidiano. Sabemos que as nossas práticas formativas e de produção de conhecimento só serão efetivas para a construção de sociedades sustentáveis se, por um lado, o nosso modo de proceder institucional for coerente com isto, sabendo administrar sabiamente a sua sustentabilidade econômico financeira como parceira deste processo de construção, e, por outro lado, se estivermos atentos àquelas “fronteiras” que são os pontos mais vitais no processo de justiça socioambiental, ou seja: – o reconhecimento radical dos seres humanos em sua dignidade, independente de raça, religião, cultura ou prestígio social; – o esforço sincero e permanente por encontrar formas de superação das desigualdades e de erradicação das exclusões, da miséria e da pobreza; – o compromisso diuturno no cuidado com o meio ambiente e os bens da criação.

O cultivo de partilha e intercâmbio permanente entre as nossas instituições das boas práticas em todos estes âmbitos, poderá ser um excelente caminho de futuro da AUSJAL, fazendo dela uma rede potencializadora de agentes de construção de sociedades sustentáveis.


[1] AUSJAL. Desafíos de América Latina y Propuesta Educativa de AUSJAL. Colombia: AUSJAL, 1995.

[2] Congregação Geral é órgão máximo legislativo desta Ordem Religiosa, chamada Companhia de Jesus.

[3] Pe Pedro Arrupe na Congregação Geral 32, cfr http://pt.wikipedia.org/wiki/Pedro_Arrupe (27/02.2015)

[4] Ver in La Promoción de la Iustitia en las Universidades de la Compañía. PROMOTIO IUSTITIAE. Roma: Curia General de la Compañía de Jesús, Secretariado para la Justícia Social y la Ecología, N. 116, 2014/3, p.29 (epígrafe)

[5] Ver in La Promoción de la… p.52

[6] La Promoción de la… p. 7

[7] Reproduz formulação de consenso em texto do Fórum de Reitores das Instituições de Educação Superior dos Jesuítas do Brasil. FORIES. A Promoção da Justiça Socioambiental nas Instituições de Educação Superior Jesuíta. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2015, p.8

[8] Discurso na Universidade de Santa Clara, Califórnia, 2000.

[9] Xabier GOROSTIAGA SJ O legado da experiência. América Central, 1970-2000. Práxis, mediações e opções cristãs. http://servicioskoinonia.org/relat/335p.htm (27/02/2015)

[10] Arquivo J.U. OnLine, 20/7/2001 http://www.unisinos.br/

[11] Ibidem

[12] http://www.ausjal.org/tl_files/ausjal/images/contenido/Documentos/Publicaciones/ Documentos (27/02/2015)

[13] AUSJAL. Desafíos…, 1995, p.50

[14] AUSJAL. Plano Estratégico 2001-2005. Caracas, 2001.

[15] AUSJAL. Políticas y Sistema de Autoevaluación y Gestión de la Responsabilidad Social Universitaria en AUSJAL. Córdoba: EDUCC – Editorial de la Universidad Católica de Córdoba, 2014., p.15

[16] https://www.youtube.com/watch?v=xJUDyxMCFLw (Publicado 28/08/2013). Reitor Pe Fernando Fernández Font sj, palavras proferidas em 24 de agosto 2013, por ocasião da celebração do 30 anos da Universidad Ibero Americana de Puebla.

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