UNIVERSIDADE E POBREZA: O QUE A UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS PENSA E TENTA FAZER? (2002)

(Reflexão escrita em 2002, quando o autor exercia a função de Diretor do Centro de Ciências Humanas da UNISINOS)

Pe. José Ivo Follmann SJ (15-8-2002)

É crescente a consciência de que as exigências do momento histórico do qual fazemos parte são radicais. Em função da pergunta formulada no título, três dessas exigências são particularmente candentes para a academia, enquanto tal, e para as pessoas humanas que a constituem: a) somos exigidos a ajudar a encontrar caminhos para a humanidade reaver a dignidade humana; b) somos exigidos a ajudar a humanidade a construir alternativas de justiça social; c) somos exigidos a recriar um mundo sem exclusões e sem violências.

A UNISINOS, ao mesmo tempo em que vem se empenhando, ao longo de toda a sua trajetória, por encontrar as melhores formas de realizar a sua vocação de Universidade que busca a excelência acadêmica, ela vem também aperfeiçoando o seu empenho por traduzir, para dentro deste “ser academia bem-sucedida”, a realização de uma Universidade na qual se vive a Missão da Companhia de Jesus. Esta Missão é apresentada, conforme seus documentos mais recentes, como o serviço da fé cristã, a promoção da justiça e o diálogo cultural e inter-religioso. Trata-se de três componentes profundamente imbricados e formando um todo fecundo e fecundante, refletido no serviço de Deus, porque serviço da Humanidade, e no serviço da Humanidade, porque serviço de Deus.

Mais do que nunca no momento histórico em que vivemos, o compromisso radical com a Humanidade, assumido por quem se coloca ao serviço da fé cristã, implica, por um lado, em um posicionamento concreto a favor de sociedades justas e em defesa de todos os que sofrem injustiças e, por outro lado, em uma postura de abertura, respeito e diálogo em todos os níveis.

Ninguém duvida que a Universidade, em geral, é um espaço privilegiado. Basta que olhemos a sociedade como um todo, para chegarmos a esta incontestável conclusão. A Universidade é um dos lugares onde os excluídos da sociedade menos se permitem sonhar em poder um dia lá chegar. Esta é, sem dúvida, uma das questões que mais diretamente inquieta aos que fazem seu dia-a-dia na Universidade.

A UNISINOS tem por Missão promover a formação integral da pessoa humana e sua capacitação ao exercício profissional, incentivando o aprendizado contínuo e a atuação solidária, para o desenvolvimento da sociedade.

A formação profissional e pessoal, que se dá através das atividades de pesquisa, de ensino e de extensão – seja por meio de participação em projetos de pesquisa, em espaços formativos e eventos culturais e científicos, seja por meio de engajamentos técnicos, sociais, comunitários, celebrativos e esportivos – dá-se num ambiente de incentivo e estímulo para o “sempre aprender” (que nunca está pronto), para o “espírito de solidariedade” (que não se fecha aos excluídos) e para a busca cidadã das melhores soluções em vista do desenvolvimento da sociedade. A UNISINOS fez uma recente opção estratégica, concentrando o seu foco principal de compromisso na participação criativa e impulsionadora do Desenvolvimento Regional, propondo-se, neste sentido, também, a ajudar na congregação das principais forças da Região.

Ao tentarmos responder à questão sobre “o que a UNISINOS faz com relação à pobreza”, deveríamos, sem dúvida, levar em conta todo o complexo da Universidade, com as suas contradições, acertos, erros e constantes buscas por melhor acertar para ser coerente com a sua vocação. Vamos, no entanto, ater-nos a três aspectos: 1) alguns dados sobre atividades de extensão, diretamente orientadas para uma ação comunitária e de desenvolvimento social; 2) uma nota sobre a proposta de “formação humanística de orientação cristã”; e 3) um nota sobre a criação do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

1) As Ações de Extensão desenvolvidas pela Universidade são variadas e podem ser agrupadas, a partir de suas características, em diversas modalidades. Neste texto, concentramos nossa atenção nas que estão agrupadas sob o título de “Ações – Ações Comunitárias e de Desenvolvimento Social”.

No nível dessas “Ações”, a UNISINOS registrou os seguintes números no decorrer do ano de 2001: a) 47 programas, projetos e serviços (envolvendo Ações Comunitárias e de Desenvolvimento Social); b) 252 professores e 927 Acadêmicos envolvidos nessas Ações; c) 176 produções científicas relacionadas com essas Ações; d) 172 eventos promovidos a partir dessas Ações ou integrados com as mesmas; e) a realização de 83.284 atendimentos diretos e de 26.163 atendimentos indiretos.

A título de exemplo, podem ser mencionados os seguintes programas, projetos ou serviços: a) o SAPECCA (Serviço de Atenção, Pesquisas e Estudos com Crianças e Adolescentes): funciona desde 1995, e seu compromisso fundamental é “colaborar na elaboração de Políticas Sociais da área da infância e adolescência que levem em consideração a complexidade dos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais”. Trata-se de um trabalho direto com crianças e adolescentes da periferia pobre de São Leopoldo, visando “proporcionar e contribuir para a construção do exercício da cidadania.”; b) o PEDRA (Programa de Estudos sobre Desenvolvimento e Autonomia no Vale dos Sinos): existe desde 2000 e está voltado para “estudos, seminários e cursos de formação sobre modelos de desenvolvimento, visando à ampliação do conhecimento e o fortalecimento da autonomia do campo popular no Vale do Rio dos Sinos”, e seu escopo é o desenvolvimento da autonomia e solidariedade; c) o Programa de Ação Social na Zona Sul de São Leopoldo (área vizinha do Campus da Universidade): tem como objetivo “proporcionar um processo de educação que permita dar aos envolvidos (no programa) os meios para gerar uma ação transformadora das atuais condições da sociedade, propiciando uma experiência de participação cidadã, tanto por parte da comunidade local, quanto da comunidade acadêmica”; d) Apoio às Cooperativas: é um trabalho que vem sendo realizado desde 1975, proporcionando assessorias técnicas, jurídicas e de formação cooperativa propriamente, bem como ajudando na gestação de iniciativas cooperativas para grupos que buscam alternativas de trabalho e renda;          e) “União Faz a Vida”: é uma proposta, desenvolvida pela Universidade desde 1995, de educação cooperativa para as escolas do ensino fundamental do Estado do Rio Grande do Sul e visa “difundir o espírito do cooperativismo nas Escolas do Ensino Fundamental, através de propostas teórico-metodológicas viáveis, num enfoque holístico, dinâmico e integrativo”. A proposta inclui Educação Ambiental através de formas associativas e solidárias; f) Supletivo de Trabalhadores: iniciado em 1995, é um programa de educação básica de jovens e adultos, visando criar condições para a realização dos estudos da escola fundamental e o desenvolvimento integral do(a) trabalhador(a) que estuda, no ambiente de sua própria empresa de trabalho; g) o PEI (Programa Escolinhas Integradas): em vigor desde 1996, visa “oportunizar às crianças e adolescentes frequentarem um espaço educativo não-escolar que contribua para a construção do projeto de vida e do exercício da cidadania de cada uma delas, com base nos princípios do esporte educacional.”; h) o PRUMO (Programa de Unidades Móveis de Saúde Coletiva): desenvolve, desde 1993, um trabalho de atendimento integral das comunidades, através de atividades educativas numa visão interdisciplinar, estimulando o crescimento comunitário participativo, tendo o homem como agente de sua mudança.

Em geral, estas e outras atividades, entre as quais se destaca ainda a participação do Projeto “Universidade Solidária”, oportunizam importante espaço para os acadêmicos avançarem na sua formação pessoal e profissional, de uma forma mais próxima e solidária com a realidade enfrentada pelas camadas mais empobrecidas da sociedade.

2) A decisão por introduzir um conjunto de disciplinas de “formação humanística de orientação cristã” em todos os Currículos de Graduação e a sua implementação deu-se no ano de 1997.

Trata-se de um conjunto de disciplinas e atividades, somando um total de 300 horas-aula (cinco disciplinas de 60 horas-aula), que, de forma integrada com as demais disciplinas e atividades dos Currículos, objetivam proporcionar aos acadêmicos uma formação geral centrada em três eixos disciplinares: Formação Antropológica, Formação Ética e Formação Latino-americana. Trata-se de uma proposta de formação baseada e orientada de forma coerente com os princípios cristãos.

3) Em 2001, foi constituído o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que é um novo espaço na Universidade para fomentar, desenvolver e articular projetos e programas que envolvam pesquisas, estudos, reflexões, análises e serviços, com a ousadia da criatividade, num contexto de desafios radicais.

O IHU desenvolve as suas atividades em três grandes Áreas integradas entre si. A Área de Ética, Cultura e Cidadania está baseada na idéia de “uma ética para os novos tempos, necessária e possível, que possa introduzir o dever onde tudo é poder”. Objetiva atenção e perspicácia “para apreender a necessidade de elaborar uma antropologia capaz de superar o antropo e o androcentrismo, compreendendo a pessoa humana como inter e retrorelacionada e responsável pelas gerações que estão por vir”. A Área de Economia Solidária, Trabalho e Cooperativismo visa “proporcionar novos paradigmas produtivos, capazes de gerar solidariedade entre os seres humanos e destes com a natureza, o cosmos e o universo, para que, desta forma, o mundo seja um lugar em que todas as pessoas humanas, da nossa e das futuras gerações, possam viver bem e com segurança”. A Área de Religiões, Teologia e Pastoral coloca-se na linha daqueles que afirmam que “a busca de um projeto ético mundial, planetário, capaz de forjar um novo contrato social universal, pode ser impulsionado e dinamizado pelas grandes religiões, nas quais se inclui, evidentemente, o cristianismo com a sua teologia e a sua espiritualidade”.

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Se estes são alguns aspectos importantes que devem ser lembrados para responder à questão formulada no título, deve-se destacar também que é crescente, no âmbito da Universidade, o comprometimento por ajudar a articular redes universitárias nacionais e internacionais, que objetivem a colocar o imenso potencial destas instituições a serviço da busca de alternativas globais viáveis para a Humanidade.

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