PASTORAL DA UNIVERSIDADE: UMA COMPREENSÃO SOCIOLÓGICA

José Ivo Follmann sj

(Sacerdote Jesuíta, Doutor em Sociologia pela Université Catholique de Louvain, Bélgica, Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais Aplicadas (Mestrado e Doutorado) da UNISINOS, Coordenador do Programa Gestando do Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo – GDIREC, do Instituto Humanitas Unisinos – IHU e Diretor do Centro de Ciências Humanas da UNISINOS. (UNISINOS, junho de 2003)


Foi-me solicitado fazer uma leitura sociológica dos Relatórios da Pastoral da Universidade apresentados pelas equipes das diversas Instituições de Ensino Superior da Região Sul. Agradeço o convite e peço desculpas se não consigo atender plenamente àquilo que os organizadores imaginavam, ao solicitar uma avaliação a partir de uma “compreensão sociológica”.

Antes de iniciar a minha “leitura” propriamente, tomo a liberdade de fazer três observações introdutórias:

  • A sensação que eu tenho, (e isto se repete todas as vezes que participo em reuniões ou encontros como este), é que o bom desses momentos é o grande enriquecimento mútuo que eles proporcionam. Independente das construções conjuntas e coletivas que intentamos ensaiar, a oportunidade de podermos nos escutar mutuamente já tem o seu valor em si.
  • Alguém falou, no início do encontro, da importância de se fazer permanentemente releituras hermenêuticas, no sentido de avançarmos na compreensão contextuada de nossa prática. Eu entendo que, aqui, estamos fazendo, efetivamente, uma releitura hermanêutica coletiva. Sinto-me muito bem com isso.
  • Não me senti muito à vontade, no entanto, ao receber o convite para prestar uma “assessoria sociológica” com a informação de que haveria, além desta, mais uma assessoria pedagógica, uma assessoria filosófica e uma assessoria teológica. O seccionamento do conhecimento que esse tipo de encaminhamento sugere, apesar de não ser a intenção da equipe organizadora, é algo muito complicado. Por isso entendi o convite como sendo o convite para uma reunião na qual haveria a presença de um sociólogo, de uma pedagoga, de um filósofo e de um teólogo que, juntos, prestariam uma assessoria… É isto? Aliás nem sei se ainda sou capaz de assessorias sociológicas… O certo é que, o que aqui estou colocando, não deve ser considerado como simplesmente sociológico, pois os meus questionamentos e as minhas percepções colocam-se, em muitos momentos, além ou aquém da sociologia, se este tipo de “localização” ainda faz sentido…

Dito isto, vou apresentar a minha “leitura” dividida em quatro grandes pontos ou quatro grandes aproximações:

  1. Em uma primeira aproximação ampla, a partir da observação dos relatórios das atividades pastorais das três Universidades aqui presentes, devo destacar os seguintes aspectos:
  • Busca de um envolvimento nos grandes debates da sociedade hoje;
  • Realização de reflexões envolvendo o debate fé e cultura;
  • Empenho por prestar serviços de assistência social e de acolhimento;
  • Visibilidade de serviços litúrgicos e sacramentais.

Considerando estes quatro aspectos, uns mais presentes numa realidade, outros mais presentes nas outras, podemos estabelecer interessantes perfis comparativos das três maneiras de fazer e pensar a Pastoral da Universidade, das Instituições aqui presentes. É um exercício que podemos fazer em conjunto.

  • Em segundo lugar, sinto-me convidado a fazer algumas aproximações de semelhança entre as atividades de pastoral nas três Instituições, que, na minha percepção, são semelhanças claramente evidentes:

2.1) As três Instituições mostram uma linha de atividade comum, que poderíamos denominar “encontros de espiritualidade”. Enquanto na UNISINOS se fala em Exercícios Espirituais de Santo Inácio, como “Retiros na Vida” e outros; na UCPel temos o assim chamado “Maná” e outras formas; na PUC-RS existem os retiros de pastoral e os retiros de aprofundamento.

2.2) A questão do diálogo inter-religioso e da abertura ao diverso está também muito presente nas três Instituições: enquanto na UNISINOS existe um programa bastante consolidado denominado “Programa Gestando o Diálogo Inter-Religioso e o Ecumenismo” (GDIREC); na PUC-RS existem diferentes iniciativas neste sentido, destacando-se o Projeto Alfa/Omega e o Projeto Meditação Oriental; também na UCPel essa preocupação não está ausente.

2.3) Chamou muito a nossa atenção o fato de as três Instituições se envolverem com projetos de gerar amplos debates sobre a teologia hoje ou a vida de fé hoje. Enquanto a UNISINOS está preparando um grande evento internacional, pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU, a realizar-se em maio de 2004, com o título: “Simpósio Internacional sobre Teologia e Universidade: Novos Desafios para o Século XXI”, a UCPel está com um evento previsto para setembro deste ano, com o título: “II Simpósio Transdisciplinar Ciência e Deus no Mundo Atual”. Isto tudo está em profunda consonância com as “semanas de reflexão” que a PUC-RS promove com os seus professores colocando na pauta a discussão sobre “fé e ciência”.

  • Um terceiro ponto, que eu gostaria de destacar aqui, diz respeito ao cerne do que está em questão neste Encontro… Trata-se da equação Universidade (substantivo) católica (adjetivo), que alguém mencionava bem no início deste nosso Encontro. É, sem dúvida, uma chave fundamental para uma boa compreensão da Pastoral da Universidade ou da idéia de uma Universidade em Pastoral. Às vezes parece que se recai no velho vício medieval de querer como que atrelar o ser universidade ao ser católico, ou seja, busca-se inverter a equação…

3.1) Temos que levar a sério o desafio de ser efetivamente Universidades e excelentemente Universidades, com tudo o que isto envolve em termos de seriedade acadêmica e de compromisso público. Por falar em compromisso público, é oportuno lembrar que, mesmo que as nossas Universidades sejam de iniciativa e gestão privada, elas atuam de fato num campo que é de serviço público. Nós temos que prestar contas à sociedade pela seriedade desta nossa participação no serviço público.

3.2) Temos que levar a sério o desafio de ser efetivamente Universidade católica, assumindo a confessionalidade como adjetivo e não como mero complemento anexo. Ou seja, a orientação cristã, que consubstancia essa confessionalidade, deve ser inerente ao “que fazer” universitário, ajudando a garantir a seriedade acadêmica e o compromisso público. Devemos constantemente buscar responder à questão: por que, para nós cristãos, faz sentido e é importante o empreendimento universitário, enquanto realização da seriedade acadêmica e prestação desse serviço público à sociedade.

  • E, assim, aprofundando esta linha de reflexão, chego ao meu quarto ponto, com um convite para olharmos para o objetivo que a Pastoral da Universidade no âmbito da ABESC se propõe: “Construção de um sujeito histórico comprometido político, cultural e profissionalmente com a mudança da realidade social, a partir de valores e princípios cristãos”. Quero sugerir o seguinte caminho de reflexão, inspirando-me em um texto do Planejamento Estratégico da Associação das Universidades Jesuítas da América Latina (2001-2005), com a formulação de três perguntas:

4.1) Em nosso “que fazer” universitário, a primeira pergunta sempre deve ser: Que sociedade queremos? Destacando-se que as Universidades existem, como eu disse acima, como um serviço público à sociedade. Não podemos perder isso de vista. Quem se envolve nesse serviço deve, em primeiro lugar, prestar contas à sociedade. Nunca no entanto devemos esquecer que o ideal de sociedade de uma Universidade católica e de orientação cristã, é baseado nos princípios da justiça evangélica.

4.2) Uma segunda pergunta naturalmente se seguirá: Que sujeitos formar para essa sociedade que queremos? Destacando-se que, hoje, mais do que nunca, os estudantes necessitam que sejam cultivados, neles, valores que os chamem a serem sujeitos capazes de assumir responsavelmente a construção da sociedade. Eles necessitam, para tal, vivenciar, em nosso meio, uma efetiva formação integral.

4.3) E a terceira pergunta, consequentemente, nos fará voltar o nosso olhar para as Universidades enquanto tal: Que Universidade para formar esses sujeitos? Destacando-se a necessária atenção a três aspectos: a clara explicitação de nossa identidade cristã; a permanente avaliação e atenção à qualidade acadêmica de nossas Universidades; a um redobrado empenho por uma ação sempre mais partilhada, em rede, das Universidades católicas e de orientação cristã.

Seguindo essas perguntas e procurando respondê-las nesta ordem, teremos certamente um bom caminho para darmos conta da pergunta central, que move este encontro: A Pastoral em nossas Universidades está adequadamente estruturada e orientada de forma coerente em suas ações?

Em síntese, devemos desdobrar esta pergunta central, em três grandes perguntas: a) a nossa orientação cristã exige que tipo de sociedade, ou seja: como é uma sociedade, que queremos, coerente com os princípios cristãos? b) que sujeitos nós devemos formar em nossas Universidades, que tenham condições de protagonizar este tipo de sociedade? c) como devem ser e agir as nossas Universidades para que efetivamente proporcionem a formação deste tipo de sujeitos?

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Esses são os quatro pontos que eu tinha a sugerir, neste início de conversa para a nossa “assessoria sociológica”… Sintetizando: primeiro apontei alguns aspectos a destacar para estabelecer um perfil comparativo entre as três Instituições; em seguida identifiquei três importantes convergências por mim percebidas; em terceiro lugar retomei a equação Universidade (substantivo) e católica (adjetivo); e, por último, recordei o objetivo da Pastoral da Universidade no âmbito da ABESC, para sugerir um caminho de reflexão.

Antes de concluir queria, no entanto, ainda sublinhar algo que entendo de fundamental importância, apoiando-me na fala da Professora Flávia, que me precedeu: Se levarmos a sério a constatação de que a maior parte de nossa aprendizagem não se dá pelo sentido da audição, mas por outros sentidos, é, sem dúvida, urgente que os ambientes de nossas Universidades e as suas estruturas, sejam efetivamente coerentes com aquilo que é pregado. Ou seja, os ambientes e as estruturas fazem parte da Pastoral da Universidade ou da, assim chamada, “Universidade em Pastoral”.

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