ABRACEI AS ÁRVORES E PEDI PERDÃO AOS JESUÍTAS QUE AS HAVIAM PLANTADO

Crônica escrita no dia 31 de março de 2019.

José Ivo Follmann sj (31/03/2019)

Foi no último domingo de março. Eu havia celebrado a missa na antiga capela do Centro Cultural de Brasília – CCB. A capela estava lotada. Sabíamos que aquela era a última missa ali realizada. Mesmo que já eram passados muitos meses depois do anúncio deste encerramento, eu ainda notava tristeza no olhar de muitas pessoas. Afinal, eram muitas décadas de celebrações naquele espaço. Tentei penetrar no íntimo de cada um daqueles olhares, tentando vislumbrar a origem da tristeza no olhar, suas histórias de vida e de frequência naquele ambiente.

Uma crônica de despedida em homenagem às árvores do antigo Centro Cultural de Brasília – CCB

O ambiente não era só a capela. Era o Centro Cultural de Brasília, como um todo. O auditório, as salas, o contorno aconchegante e o abraço reconfortador do verde formado por um parque de plantas e árvores de todos os tamanhos, sinfonia de verde de muitas cores, odores e sons. Um verdadeiro oásis multicolorido e multifuncional no coração de Brasília, pulsando no ritmo dos anseios de muitas pessoas. Era, sobretudo, um espaço de fácil acesso e convergência para momentos de reflexão e encontro de movimentos e organizações populares e eclesiais do Distrito Federal. Um oásis de resistência, na mente de muitas pessoas. Tudo estava entristecido por um clima de melancólica expectativa da destruição. 

Fizemos uma foto coletiva. Foi grande o esforço dos fotógrafos e fotógrafas de plantão, para tentar incluir aquele grupo relativamente grande, na foto. Nos despedimos. Algumas pessoas visitaram as instalações novas provisórias, construídas com material de galpão de obra. Um espaço leve, atrativo. As pessoas mostraram alento e conforto. Diversos, no entanto, retomaram o seu grande desconforto pelas numerosas árvores que estavam prestes a serem cortadas.

Como eu fazia todos os dias, na tarde daquele domingo fiz a minha caminhada. Não é necessário dizer que aquela caminhada assumiu um sentido especial. No meio das árvores, havia uma trilha, em formato, ao mesmo tempo, alinhado e desalinhado. Eu conhecia aqueles alinhos e desalinhos nos mínimos detalhes. No período de chuvas tudo ali era repleto de infinitas surpresas diárias desenhadas no encanto de um verde exuberante e multicolorido.

Em cada caminhada, a primeira volta sempre exigia um pequeno esforço por desobstruir a trilha. No período da seca, eram frutas caídas, exalando odores fortes, misturando-se a folhas e galhos secos e verdes, insistindo em se atravessar desajeitados. No período das chuvas, era um explodir indomável de ervas verdejantes e vigorosas, se enroscando por cima do passeio, se pegando na roupa do transeunte intruso. Parecia estratégia da natureza, como um alerta invisível: Aqui deve-se ter cuidado ao caminhar! Este chão não tem a lógica da racionalidade viciada que domina!

Naquele domingo foi a caminhada de despedida. Eu tinha consciência disso. Estávamos no período da maior pujança do verde. Eu mal conseguia olhar para todas aquelas árvores. Meu coração estava apertado e eu balbuciava preces de constrangimento e confusão. Imaginava com tristeza a dor de meus companheiros de gerações anteriores, padres e irmãos jesuítas, que haviam plantado grande parte daquelas árvores. Comungava amargamente com a revolta que estava instalada no coração de muitos. Aquelas árvores estavam tão lindas! Tão vigorosas! Tão viçosas! Felizes por existirem, agitavam abundantes acenos, como quem celebra a sua contribuição para o grande equilíbrio da natureza. Pareciam homenagear com gratidão aqueles que lhes haviam dado a chance de ali crescerem e haviam cuidado delas.

Na terceira volta esqueci o exercício físico e reduzi o passo. Olhei demoradamente para cada árvore. Vi com tristeza que todas elas, sem distinção, estavam marcadas com um selo amarelo. Todas elas estavam rigorosamente numeradas. Marcadas para morrer? Era o controle ambiental (Selinhos do IBAMA? …). Desde os arbustos adolescentes mais magrinhos de alguns poucos centímetros de diâmetro em seu magro ensaio de tronco até os troncos enormes de mais de dois metros de diâmetro. A numeração das árvores marcadas para morrer ia até 242. A maioria daquelas árvores, pequenas e grandes, novas e velhas, não sobreviveria. O selinho amarelo era a marca da morte. Oxalá elas pudessem entender – pensei confusamente – que estava chegando o seu fim naquele espaço. Pedi a elas que nunca esquecessem de alimentar aquele espaço com a incomensurável energia que ali haviam acumulado ao longo de tantos anos.

Naquele domingo, que era 31 de março de 2019, minha mente e meu coração distribuíram abraços de despedidas. Eram árvores pequenas e grandes, novas e velhas acolhendo a minha dor. Meu delírio fazia pensar que elas sabiam o motivo daquele abraço. Meu coração pedia perdão aos que haviam cultivado com tanto carinho aquele verdadeiro jardim botânico. Foi a minha última caminhada naquele jardim. Não concluí as minhas seis voltas, que faziam parte do meu ritual diário sagrado. Me despedi apressado, sem olhar para trás. Apressei-me para abrir o computador e traçar o primeiro rascunho desta humilde crônica. Ela é uma homenagem. Um pedido de perdão. Um compromisso renovado. Homenagem, pedido de perdão e compromisso frente ao número 242 e toda memória de vida e história que nele se expressa. Que os 242 selinhos amarelos grampeados nos troncos pequenos e grandes nunca se apaguem de minha memória. (Nota: efetivamente, mais tarde, o número total da derruba foi de 233, permanecendo em pé 9 lindas árvores, nos fundos da residência da Comunidade dos Jesuítas. É um novo começo para novo belo jardim, agora em espaço mais apertado…)

2 respostas para “ABRACEI AS ÁRVORES E PEDI PERDÃO AOS JESUÍTAS QUE AS HAVIAM PLANTADO”

  1. Quando vamos fazer realidade os nossos propósitos socioambientais? Parece que ainda estamos distantes de celebrar esse casamento entre discurso e vida.

    1. Esta é uma construção que deve ser tecida com muito CUIDADO em nível de produção de conhecimento, de ações de incidência direta e, sobretudo, em nossa vida do dia a dia. Às vezes, no processo histórico, somos levados a presenciar decisões dolorosas, mas talvez necessárias dentro das limitações que vivemos. Max Weber foi sábio ao nos alertar e fazer refletir sobre a relação entre a “ética da responsabilidade” e a “ética da convicção”. …

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