RELIGION, POLITIQUE ET IDENTITÉ

Tese de Doutorado em Sociologia realizada e aprovada na Université Catholique de Louvain la Neuve, Bélgica, em 1993. Disponibilizada regularmente no acervo de teses, Biblioteca da Universidade. Diversos artigos foram publicados com recortes desta tese, mantida no original francês. Agora, também, disponível para acesso fácil e gratuito como e-book e PDF pela Editora Casa Leiria, 2024.

PROCESSOS DE IDENTIDADE, RELAÇÕES ÉTNICO-RACIAIS E RELAÇÕES RELIGIOSAS

Trata-se de um livro em formato e-book, resultado de uma produção coletiva de conhecimento, coordenada por José Ivo Follmann, em uma atividade acadêmica no Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais, Universidade do Vale do Rido dos Sinos, Unisinos. Integra a Coleção NEABI da mesma instituição, Volume 4. (Para acessar o livro clique abaixo em cima da imagem da capa)

PROGRAMA DA DISCIPLINA IDENTIDADES E SOCIABILIDADES

Mestrado e Doutorado em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos -UNISINOS (oferecido em 2021-II e 2022-II)

Programa da Disciplina executado em 2021-II e 2022-II

EMENTA: Estuda as práticas sociais relativas à vida cotidiana e suas dinâmicas de interação e sociabilidade. Considerando a cultura em sua dimensão vivida, de partilha ou de disputa no interior da sociedade, analisa as lógicas identitárias e de sociabilidade operantes nos processos de pertencimento social, de desfiliação e de exclusão de grupos e indivíduos.

CONTEÚDOS PROGRAMÁTICOS:

  1. PROLEGÔMENOS, REFERENCIAIS E MATRIZES TEÓRICAS DE LEITURA: Revisitando a conceituação de identidades e sociabilidades. O tema do sujeito individual na sociologia. Leitura a partir de diferentes perspectivas sociológicas: dinâmicas do sujeito individual, movimentos sociais e campos de atividades. Horizontes históricos para entender identidades e sociabilidades no Brasil: a) capitalismo, colonialismo, patriarcalismo; b) as três origens matriciais culturais: autóctones/indígenas, afrodescendentes/negros, europeus/brancos. Interacionismo simbólico, sua importância e limites. Cultivo da atitude fenomenológica compreensiva na sociologia. (Reconhecimento; Identificação; Narrativas; Biografia; Projeto; Autonomia; Alienação…).
  • FOCO NO COTIDIANO SEGUNDO ESFERAS DE RELAÇÕES SOCIAIS: Identidades e sociabilidades: – segundo o cotidiano nas diferentes formas de solidariedade, “comunidade e sociedade”; – segundo padrões de comportamento e desvios (“outsiders”); – segundo o cotidiano das relações de classes e outras formas de dominação/subordinação, desigualdades sociais, “ralé” e “elite”; – segundo o cotidiano das relações étnico-raciais (“políticas de branqueamento” no Brasil e “educação das relações étnico-raciais”); – segundo o cotidiano das religiões/religiosidades (diálogos e intolerâncias); – segundo relações ambientais e organização do espaço urbano (“violência cotidiana”, “racismo ambiental”); – segundo “conjugações” algorítmicas e bolhas de comunicação.
  • CONHECIMENTO, DESCOLONIZAÇÃO DAS MENTES E TRANSDISCIPLINARIDADE: Produção do conhecimento; relações acadêmicas e seus rituais; meritocracia em debate; cultura afirmativa e descolonização das mentes. O “mundo” da comunicação e redes sociais. Os diferentes níveis de incidência: nas produções de conhecimento; nas instâncias de decisão; na vida e práticas cotidianas. Ensaios para refletir sobre o paradigma da “ecologia integral”.

PROCESSO DE ENSINO/APRENDIZAGEM E AVALIAÇÃO – Produzir-se-á uma circularidade de aprendizagem envolvendo ao longo de todo o semestre os três blocos de produção de conteúdo: (A) matrizes teóricas, (B) esferas de relações, (C) produção de conhecimento. Os encontros serão em modo presencial remoto via TEAMS. [Por decisão favorável da UAPPG, não será presencial-simultâneo, ou seja, presencial no campus e online, via TEAMS, simultaneamente, cfr. Instrução Normativa, UAPPG, 01/2021, art. 14]. Os três professores participarão em todas as atividades, no modo presencial remoto on-line. Será avaliado o desempenho na apresentação de leituras, capacidade de apreensão e síntese do pensamento dos autores. Todos os encontros semanais estarão divididos em quatro momentos: 1) um momento de memória síntese; 2) um momento de “apresentação sistemática de conhecimentos a partir de autores previamente estabelecidos”; 3) um momento de “mesa de leitura”; e 4) um “momento de construção criativa” (*). Será também avaliado o empenho na busca de fontes e de autores não previamente indicados, bem como o empenho na participação em todos os momentos dos encontros. Além disso, haverá um trabalho final escrito, focando alguma das temáticas presentes nos três grandes blocos temáticos, como pequeno ensaio para um artigo de publicação. [(*) Ao longo do semestre serão sugeridos outros textos, como, também, serão indicados vídeos disponíveis on-line, como apoios complementares].

BIBLIOGRAFIA OBRIGATÓRIA:

  • APPIAH, Kwame. Identidade como Problema. In SALLUM JR, Brasílio; SCHWARCZ, Lilia Moritz; DIANA, Vidal; CATANI, Afrânio (orgs). Identidades. São Paulo: EDUSP, https://tonaniblog.files.wordpress.com/2019/03/identidade-como-problema.pdf
  • BAUMAN, Zygmunt; MAY, Tim. Aprendendo a Pensar com a Sociologia. [Introdução: A sociologia como disciplina, pp. 11-30; Cap. 1: Alguém com os outros, pp. 33-50]. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.
  • BRANCALEONE, Cassio. Comunidade, Sociedade e Sociabilidade: revisitando Ferdinand Tönnies. Revista de Ciências Sociais. Vol. 39, n. 1, pp. 98-104, 2008.
  • CASTELLS, Manuel. O Poder da Identidade. [Cap. 1: Paraísos Comunais: Identidade e significado na sociedade em rede, pp. 53-122]. Tradução de Klaus Brandini Gerhardt. 9ª ed. ampliada e revisada. São Paulo: Paz e Terra, 2018. https://tonaniblog.files.wordpress.com/2019/05/o-poder-da-identidade.pdf
  • DAVIS, Angela. Mulheres, Raça e Classe. [Cap. 1: O legado da escravidão: parâmetros para uma nova condição da mulher, pp.15-41]. São Paulo: Boi-Tempo, 2016.
  • DUBAR, Claude. A Crise das Identidades: A interpretação de uma mutação. Porto: Edições Afrontamento, 2006. https://wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/files/2018/09/Livro-dubar_claude_a_crise_das_identidades.pdf
  • FANON, Frantz. Pele Negra e Máscaras Brancas. Salvador: Edufba, 2008. https://www.geledes.org.br/wp-content/uploads/2014/05/Frantz_Fanon_Pele_negra_mascaras_brancas.pdf 
  • FEDERICO, Roberta Maria. Identidade Negra: As abordagens dos estudos culturais da afrocentricidade. Revista Pensando Áfricas e Suas Diásporas. NEABI, UFOP, Mariana, MG v. 1, n. 1, jan.-jun. 2016  www.periodicos.ufop.br/pp/index.php/pensandoafricas
  • FOLLMANN, José Ivo (coord.) et alii. Processos de identidade, relações étnico-raciais e relações religiosas. (Coleção do NEABI: Refazendo Laços e Desatando Nós – Vol. 4). São Leopoldo: Casa Leiria, 2017 (Edição corrigida-revisada em 2021). E-book: http://www.casaleiria.com.br/acervo/neabi/vol4/processos_de_identidade.html#
  • MUNANGA, Kabengele. Questão da diversidade e da política de reconhecimento das diferenças. Revista Crítica e Sociedade: revista de cultura política. V. 4, n. 1, dossiê: Relações Raciais e Diversidade Cultural, julho 2014. Pp. 34-45 http://www.seer.ufu.br/index.php/criticasociedade/article/view/26989/14725
  • SANTOS, Boaventura de Sousa. O Fim do Império Cognitivo; A afirmação das epistemologias do Sul. [Introdução, pp. 17-38; Cap. 1: Percursos para as epistemologias do Sul, pp.41-63]. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.
  • SCHÜTZ, Alfred. A Construção Significativa do Mundo SocialUma introdução à sociologia compreensiva (Tradução: Tomas da Costa). Petrópolis: Vozes, 2018 (Acervo livros eletrônicos biblioteca Unisinos) http://www.biblioteca.asav.org.br/biblioteca/index.php
  • SILVA, Tomás Tadeu da. A Produção Social da Identidade e da Diferença In: SILVA, T. T. (org). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. 11 ed. Petrópolis: Vozes, 2012, p. 73-101.
  • SOUZA, Jessé. Subcidadania brasileira. Para entender o país além do jeitinho brasileiro. [Parte III: Subcidadania como singularidade brasileira, pp. 217-256].  São Paulo: Ed. LeYa, 2018.
  • VELHO, Gilberto. Individualismo e Cultura. Notas para uma Antropologia da Sociedade Contemporânea. [Cap. I: Projeto, emoção e orientação em sociedades complexas, pp.13-37]. Rio de Janeiro: Zahar, 1981.

BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR:

  • AGIER, Michel. Distúrbios identitários em tempos de globalização. Revista MANA, Rio de Janeiro: UFRJ, 7(2):7-33, 2001. https://www.scielo.br/pdf/mana/v7n2/a01v07n2.pdf
  • ALIER, Joan Martínez. O ecologismo dos pobres. Conflitos ambientais e linguagens de valorização. [Cap.1: Correntes do ecologismo, pp.21-39; Cap.8: A justiça ambiental nos Estados Unidos e na África do Sul, pp.229-262]. São Paulo: Editora Contexto, 2007.
  • BARTH, Fredrik. O guru, o iniciador e outras variações antropológicas. [Os grupos étnicos e suas fronteiras, pp. 25-68]. Rio de Janeiro: Contracapa, 2000, p. 25-68.
  • BECKER. Howard S. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. [Cap. 1: Outsiders, pp. 17-32; Cap. 2: Tipos de desvio: um modelo sequencial, pp. 33-51]. (2ª ed. Ampliada) Rio de Janeiro: Zahar, 2019.
  • CASAGRANDE, Cledes Antonio. Interacionismo Simbólico, Formação do Self e Educação: Uma Aproximação ao Pensamento de G. H. Mead. Revista Educação e Filosofia.  v.30 n.59 jan./jun. 2016. http://dx.doi.org/10.14393/REVEDFIL.issn.0102-6801.v30n59a2016-p375a403
  • DELUCA, Gabriela; ROCHA-de-OLIVEIRA, Sidinei; CHIESA, Carolina Dalla. Projeto e Metamorfose: Contribuições de Guilherme Velho para Estudos sobre Carreiras. RAC – Revista de Administração Contemporânea, Rio de Janeiro, v. 20, n. 4, art. 4, pp. 458-476, jul./ago. 2016. https://www.scielo.br/pdf/rac/v20n4/1982-7849-rac-20-4-0458.pdf  
  • FOLLMANN, José Ivo. O Brasil religioso, pós-modernidade e processos de identidade. In: Carlos A. Gadea; Eduardo Portanova Barros (Org.). A “questão pós” nas ciências sociais: crítica, estética, política e cultura. Curitiba: Appris, 2013, p.231-249.
  • GADEA, Carlos A. O Interacionismo Simbólico e os estudos sobre cultura e poder. Rev. Sociedade e Estado. Vol. 28, n° 2, Brasília, 2013. https://doi.org/10.1590/S0102-69922013000200004https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-69922013000200004
  • GOFFMAN, Erving. A representação do eu na vida cotidiana. [Introdução, pp. 11-24; Cap. I: Representações, pp. 25-75]. Petrópolis: Vozes, 2002.
  • LEFF, Enrique. A Aposta pela Vida; Imaginação sociológica e imaginários sociais nos territórios ambientais do Sul. [Cap. 5: Desvanecimento do sujeito, reinvenção das identidades coletivas e reapropriação social da natureza, pp. 369-428]. Petrópolis: Ed. Vozes, 2016.
  • PERRUCCI, Abramo. Identidade e reconhecimento em Charles Taylor. Revista BAGOAS, UFRN-CCHLA, n. 09, 2013, pp.323-356.
  • PINHEIRO, Adevanir Aparecida. O Espelho Quebrado da Branquidade. São Leopoldo: Editora Casa Leiria, 2014 / Curitiba: Editora Appris, 2019 (re-edição). E-book: http://repositorio.unisinos.br/neabi/espelho/o_espelho/assets/common/downloads/publication.pdf 
  • SIMMEL, Georg. 1. Como as formas sociais se mantém; 2. O problema da Sociologia. In: Evaristo Moraes Filho. Georg Simmel: Sociologia. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, nº 34). São Paulo: Ática, 1983, pp. 46-78.
  • VELHO, G. 2000. Individualismo, anonimato e violência na metrópole. Horizontes Antropológicos. UFRGS, Porto Alegre, 3:15-26. https://www.scielo.br/pdf/ha/v6n13/v6n13a02.pdf
  • VIVEIROS DE CASTRO, Eduardo. Os pronomes cosmológicos e o perspectivismo ameríndio.Revista Mana, Rio de Janeiro: UFRJ, vol.2, n.2, pp. 115-144, 1996. https://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0104-93131996000200005http://dx.doi.org/10.1590/S0104-93131996000200005

OBSERVAÇÃO: Sobre acesso às bibliografias sem link publicado, pode ser feito contato com o professor via e-mail.

PROCESSOS DE IDENTIDADE VERSUS PROCESSOS DE ALIENAÇÃO: ALGUMAS INTERROGAÇÕES.

Artigo publicado na Revista Identidades, em 2012

O ser humano é um ser de projeto

José Ivo Follmann*

Artigo publicado na Revista IDENTIDADE! Escola Superior de Teologia – EST, v. 17, n.1, 2012, pp. 83-90.

Sempre que se fala em identidades ou, melhor, em processos de identidade, vêm à mente, em primeiro plano, ideias de singularidades diferentes, de alteridades e de processos alternativos ou, mesmo, de processos de oposição. Muitas vezes isto desvia a nossa atenção de uma questão chave que são os processos de alienação. Trata-se de algo fundamental termos presente que estes processos são, a rigor, a negação (ou esvaziamento) dos processos de identidade. O exercício de reflexão para construir o conceito de processo de identidade nos ajuda a não deixarmos este aspecto de lado.

A. Touraine (1993) quando trata deste tema em sua teoria sobre os movimentos sociais, nos reporta à seguinte reflexão: “os movimentos sociais (…), o da classe superior e o da classe popular, (…), não estão em relação de igualdade, não estão na situação de dois cavaleiros (nas mesmas condições) se opondo em um torneio. A situação de conflito é, também, em seu início, uma relação de dominação.” (p.339) O autor conclui: “a consciência popular pode ser dominada pela alienação; ela o é quando não se forma um movimento social”. (p.339)

Nesta perspectiva, encontramos, também, ricas sugestões nas reflexões feitas por T. Evers (1984), quando ele em seus estudos sobre os movimentos sociais na América Latina contrapõe à ideia de identidade a ideia de alienação. O autor faz desta oposição um dos pontos centrais em um artigo em que se interroga sobre o “novo” dos “novos movimentos sociais” na América Latina.

Isto nos reporta a P. Berger (1971), o qual nos lembra da importante oposição entre a dinâmica do “opus proprium” e do “opus alienum”.(1) O ser humano, quando se percebe apenas como sujeitado a projetos de outrem, não suporta, ou seja, não se realiza e não desenvolve a sua autoestima enquanto sujeito. Também não se pode falar em construir processo de identidade dos outros ou para os outros… Para nós, um processo de identidade não existe a não ser na forma de manifestação da capacidade autônoma dos indivíduos e grupos na construção de sua história.

A luta pela “autonomização” de identidade expressa uma insubmissão aos processos que são dados, rejeitando, também, todo o tipo de alienação, seja ela prática ou teórica (Chauí, 1982). A identidade não pode ser encontrada dentro de estruturas autoritárias e, mais que isso, exclui a uniformidade: só pode se desenvolver na diversidade, que requer um cenário político no qual ‘todas as vozes, todas’ (como diz uma canção chilena) possam ser escutadas (Evers, 1984).

Com a ideia de processo de identidade, supera-se a simples oposição entre o “passado” e o “futuro”, entre as “trajetórias” e os “projetos”. Segundo F. Debuyst (1992), identidade não é somente a herança histórica, mas é também a maneira com que esta herança é atualizada, comportando reações próprias frente aos desafios atuais. Na verdade, a relação entre a dimensão projetiva, ou seja, da busca e abertura para o futuro, e a história passada, com tudo o que isto significa em termos de experiências acumuladas, é fundamental para a análise das realidades sociais mais diversas.

No que diz respeito ao processo de identidade, isto toma, contudo, uma significação ainda mais acentuada. É na maneira com que um indivíduo ou um grupo (uma coletividade) estabelece a relação entre seu futuro e seu passado ou, ainda, entre seus projetos e suas trajetórias, que temos, de forma particular, as indicações principais para desvendar quais são os definidores de seus processos de identidade. Pode-se definir processo de identidade como a busca constante de estabelecer coerência lógica entre as experiências vividas e aquilo que se tem como objetivo (Remy; Voye; Servais, 1991 e Ruscheinsky, 1990).

Além desta permanente busca na construção da coerência lógica entre as experiências vividas e os rumos da vida que vão sendo traçados, os processos de identidade se dão dentro de uma complexa relação entre as individualidades e as coletividades, que acontecem por meio das mais diversas esferas de sociabilidade ou dimensões da vida social. Uma das esferas de sociabilidade ou dimensões mais profundas da vida social é a esfera ou dimensão das relações étnicorraciais. Muito já se debateu a respeito dos movimentos e organizações dos afrodescendentes no Brasil. O debate acumulado e os diversos estudos deveriam permitir que a temática pudesse fluir mais facilmente, hoje, tanto no meio acadêmico como no convívio cotidiano, mas não é o que acontece. Não acontece porque subsistem questões não resolvidas. Uma dessas questões não resolvidas tem a ver com problemas de acesso à autocompreensão dos próprios processos de identidade. Ou, talvez, formulando em termos mais radicais, tem a ver com processos de alienação sofridos. Estamos referindo “processos de identidade” e “processos de alienação” tanto de negros como de brancos…(2)

Muitas vezes já se ouviu falar dos diversos mecanismos e práticas voltados para o esquecimento e alienação da população de escravos. Entre esses mecanismos e práticas devem ser destacados três: a chamada “árvore do esquecimento”,(3) a imposição de uma nova religião oficial e forçada dispersão e separação das famílias e culturas. Sabemos como, no bojo de cada um desses mecanismos e em reação aos mesmos, foram geradas resistências inteligentes e muito consistentes. Esses movimentos e práticas de resistência só não tomaram maior visibilidade e vigor nos processos de identidade da população afrodescendente no Brasil, porque o forte entrave, por um lado, da forma perversa como as teorias racistas foram usadas para atingir a alma dos escravos e ex-escravos e, por outro lado, do embuste das políticas de branqueamento provocadas pelas mesmas teorias racistas, representou um freio perverso e dobrado. (Pinheiro e Follmann, 2012)

Retomando a formulação da noção de identidade que apresentamos em um artigo anterior (Follmann, 2001), e levando em conta novos avanços em nossas reflexões e estudos, sublinhamos aqui que processos de identidade envolvem dinâmicas coletivas, dinâmicas individuais e dinâmicas que expressam interações entre o nível individual e o nível coletivo, colocando em permanente diálogo valores socialmente propostos ou disciplinados e valores pessoalmente buscados ou reivindicados.

São processos que se dão tanto para outrem como para si mesmo, tendo por resultado sempre uma “costura” de uma parte, entre o que é “herdado” e o que é “almejado” e, de outra parte, entre o que é “atribuído” e o que é “assumido”. Em nossa tese doutoral (Follmann, 1993) procuramos demonstrar que um caminho para abarcar os aspectos essenciais de tudo isso seria o de se colocar os projetos, os motivos, as práticas – as estratégias – e as trajetórias vividas, em permanente relação, nos três níveis acima apontados. Esses processos acontecem nas diferentes esferas de sociabilidade ou dimensões da vida social. Neste sentido podemos falar em “processos étnicorraciais de identidade” assim como em “processos religiosos de identidade”, “processos regionais de identidade” ou “processos profissionais de identidade”, etc.

É oportuno que lembremos toda a complexidade envolvida nos processos de identidade… Eles acontecem na “permanente interação entre os sujeitos, diferenciando-se e considerados diferentes uns dos outros ou assemelhando-se e considerados semelhantes uns aos outros, e carregando em si as trajetórias vividas por estes sujeitos, em nível individual e coletivo e na interação entre os dois, os motivos pelos quais eles são movidos (as suas maneiras de agir, a intensidade da adesão e o senso estratégico de que são portadores) em função de seus diferentes projetos, individuais e coletivos.” (Follmann, 2001, p.59)

Alguém um dia, em uma Oficina com Afrodescendentes (em Projeto de Extensão da Universidade), levantou uma questão que nos deixou muito pensativo: “quais são os projetos dos afrodescendentes”? Não estariam os negros sendo, simplesmente, reduzidos a viver segundo os projetos de uma sociedade branca? A pergunta pairou no ar… E nós passamos a ampliar a questão: onde reside efetivamente o “opus proprium” e o que é “opus alienum” no seu modo comportamental? Por que os afrodescendentes em um meio como o de São Leopoldo, por exemplo, têm tanta dificuldade de se afirmarem como afrodescendentes? E mais, quais são os projetos individuais e coletivos em função dos quais se orientam seus processos de identidade? O que dizer dos processos de interação entre os afrodescendentes e a relação dos mesmos com os que não são afrodescendentes, no passado e no presente, considerando os complexos caminhos de aproximações e distanciamentos e considerando as estratégias envolvidas nesses processos? Por que é tão difícil ser um afrodescendente neste país que é a segunda maior população negra do mundo?

Educação das Relações Étnicorraciais significa, sobretudo, dar conta dessas e de outras questões, para denunciar, por um lado, os processos de alienação e desvelar, por outro, os processos de identidade, que formataram a história de nossa sociedade. Só assim se terá efetivas condições para a construção consistente de um futuro cidadão.

Notas.

  1. A coisa própria (de iniciativa e controle próprios) e coisa alheia (de iniciativa e controle do outro). Ver P. Berger (1971).
  2. Estritamente no que se refere a processos de alienação, é importante anotar que os mesmos não acontecem em uma via só. Normalmente são reforçados por processos de abafamento, descaso, desconhecimento da parte dominante, que também se ancoram em processos de alienação mais amplos. Os indivíduos se veem orientados mecanicamente por concepções de origem alheia ao próprio controle e compreensão. (Esta reflexão se apoia em Follmann, 2001; Berger, 1971; Touraine, 1993; Evers, 1984)
  3. Durante grande parte do período de tráfico dos africanos escravos para o continente americano, e especificamente para o Brasil, eles eram submetidos a um ritual antes de serem embarcados. Era um ritual para esquecerem o seu passado… Eram obrigados a dar voltas em redor de uma árvore, a chamada “árvore do esquecimento”. Ao serem capturados e importados do continente africano para outros países e para o Brasil, eles eram obrigados a fazerem o ritual de esquecimento, ou seja, os homens tinham que dar nove voltas em torno da árvore do esquecimento e as mulheres davam sete voltas. Esta “árvore do esquecimento” continua, depois, se repetindo sob as mais diferentes formas ao longo do processo de escravidão e pós-escravidão… (Ver mais em Pinheiro e Follmann, 2012)

AUTOR:

(*) Doutor em sociologia. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS.

Referências bibliográficas:

BERGER, P. (1971). El dosel sagrado: elementos para una sociología de la religión. Buenos Aires: Amorrortu.

CHAUI, M. (1982). Notas sobre la crisis de la izquierda en Brasil, Nueva Sociedad, n. 61.

DEBUYRST, F. (1992). Les enjeux socio-politiques actuels de lÁmerique Latine. Rev. La Foi et Le Temps, Tome XXII, N. 5.

FOLLMANN, J.I. (2001). Identidade como conceito sociológico. Rev. Ciências Sociais Unisinos. Vol. 37, N. 158.

EVERS, T. (1984). Identidade, a face oculta dos novos movimentos sociais. Novos Estudos Cebrap, N. 4.
.
FOLLMANN, J.I. (1993). Religion, Politique et Identité: christianisme de la liberation au sein Du Parti des Travailleurs au Brésil (1979-1989) – Recherche sociologique sur l‘identité des catholiques engagés das ce parti et sa signifiication au niveau du parti et de l’Eglise. Tese de Doutorado em Sociologia. Louvain la Neuve, Belgique, Université Catholique de Louvain.

PINHEIRO, Adevanir Aparecida (2011). Identidade Étnico-Racial e Universidade: A dinâmica da visibilidade da temática afrodescendente e as implicações eurodescendentes, em três instituições de ensino superior no sul do País. Tese Doutorado em Ciências Sociais. São Leopoldo: Universidade do Vale do Rio dos Sinos.

PINHEIRO, A.A.; FOLLMANN, J.I. (2012). Trabalho de Extensão Universitária com Afrodescendentes: refazendo laços e desatando nós. (Artigo enviado para publicação Forum de Extensão das Universidades Comunitárias, FOREXT, 2012).

REMY, J.; VOYE, L.; SERVAIS, E. (1991). Produire ou reproduire: une sociologie de la vie quotidienne. Vol. I: Conflits e transaction sociale (1978). Bruxelles: De Boeck Université.

RUSCHEINSKY, A. (1990). A emergência de atores coletivos: o movimento dos trabalhadores sem-terra. Rev. Cadernos do Cedope, N. III – 3.

TOURAINE, A. (1993). Production de la societé. (Primeira edição em 1973). Paris: Ed. Le Seuil.

PROCESSOS DE IDENTIDADE.

Breve texto para uso didático em sala de aula, elaborado em 2013

O ser humano é um ser de projeto

José Ivo Follmann

Na elaboração da tese doutoral, em 1994, tivemos oportunidade de desenvolver uma reflexão ampla sobre o conceito de identidade e, sobretudo, de PROCESSOS DE IDENTIDADE. É oportuno que lembremos toda a complexidade envolvida nos processos de identidade… Eles acontecem na

permanente interação entre os sujeitos, diferenciando-se e considerados diferentes uns dos outros ou assemelhando-se e considerados semelhantes uns aos outros, e carregando em si as trajetórias vividas por estes sujeitos, em nível individual e coletivo e na interação entre os dois, os motivos pelos quais eles são movidos (as suas maneiras de agir, a intensidade da adesão e o senso estratégico de que são portadores) em função de seus diferentes projetos, individuais e coletivos.” (Follmann, 2001, p.59)

Na pesquisa para a tese em 1994,

“procuramos demonstrar que um caminho para abarcar os aspectos essenciais de tudo isso seria o de se colocar os projetos, os motivos, as práticas – as estratégias – e as trajetórias vividas, em permanente relação, nos três níveis acima apontados. Esses processos acontecem nas diferentes esferas de sociabilidade ou dimensões da vida social. Neste sentido podemos falar em “processos étnico-raciais de identidade” assim como em “processos religiosos de identidade”, “processos regionais de identidade” ou “processos profissionais de identidade”, etc.” (Follmann, 2012, p.86)

Em um artigo recente, com o título “Processos de identidade versus processos de alienação: algumas interrogações”, pode-se colher o seguinte recorte, para refletir sobre o conceito de PROCESSOS DE IDENTIDADE:

“São processos que se dão, tanto para outrem como para si mesmo, tendo por resultado, sempre, uma “costura” de uma parte, entre o que é “herdado” e o que é “almejado” e, de outra parte, entre o que é “atribuído” e o que é “assumido”.” (Follmann, 2012, p.86)

Referências:

FOLLMANN, J. I. (2012). Processos de Identidade versus processos de alienação: algumas interrogações. Rev. Identidade! São Leopoldo: EST., 17, n.1, janeiro-março, 2012, pp.83-89

FOLLMANN, J. I. (2001). Identidade como conceito sociológico. Rev. Ciências Sociais Unisinos. Vol. 37, N. 158, pp.44-65.

FOLLMANN, J.I. (1994). Religião, política e identidade: os católicos no Partido dos Trabalhadores no Brasil. Rev. Estudos Leopoldenses. V. 30, N. 139, pp. 85-110.