REFLEXÃO INACIANA (PERTENCEMOS A UMA ORDEM RELIGIOSA MUITO INOVADORA)

Registro simples de reflexão feita no dia 29/07/2020; oitavo dia da novena de Santo Inácio, Comunidade Jesuita de Brasília, J. Ivo Follmann sj

Quatro princípios definidores:

DISCERNIMENTO – a Companhia nasceu a partir de um processo de Discernimento em Comum de um grupo de jovens idealistas liderados por Inácio de Loyola. (O discernimento apostólico é a chave da constante inovação).

DISPONIBILIDADE – um dos princípios orientadores definidores do trabalho apostólico da Companhia de Jesus é a permanente disponibilidade dos seus integrantes para assumir novos trabalhos onde quer que sejam chamados. Disponíveis para estar a serviço da missão, seja onde for…

DISCIPLINA – não é, no entanto, qualquer disciplina. A disciplina inaciana não é disciplina de mosteiro, mas é uma disciplina estratégica, focada na missão. Inácio de Loyola tinha uma cabeça tremendamente estratégica. (Não somos monges com regras disciplinares na vida cotidiana do “mosteiro”, mas devemos ser disciplinados em vista da missão. Cada jesuíta, ou cada grupo de jesuítas, organiza e disciplina a sua vida para a missão.)

DIVERSIDADE (lembrado a partir da narrativa histórica do Ir. Eudson, na fala que me precedeu) – tornou-se característica forte na Companhia, também, a grande diversidade de seus trabalhos e frentes de ação apostólica e engajamento de seus membros.

Três linhas definidoras de sua característica inovadora:

  1. CONVERSÃO – ruptura com o passado; não se deixar amarrado às lógicas e seguranças do passado (o exemplo pessoal do processo de conversão do Inácio de Loyola á a melhor expressão disto);
  2. BUSCA DA EXCELÊNCIA INOVADORA – isto sobretudo é marcante no campo das ciências, da pesquisa, da reflexão. Poderíamos identificar muitos nomes em diferentes áreas e frentes. Quero mencionar exemplos que sempre devem ser lembrados: Teillhard de Chardin (paleontologia; sua visão global do universo); Karl Rahner (teologia); Henrique de Lima Vaz (filosofia)…
  3. DIÁLOGO E CONSTRUÇÃO DE PONTES – ESTAR NAS FRONTEIRAS (sobretudo desde a CG 34… Em texto preparatório da CG 35, uma passagem dizia que todo jesuíta deveria conhecer a fundo uma religião, além da sua e que deveria estar envolvido/engajado, de forma militante, na defesa dos valores de alguma cultura que não é a sua.

UNIVERSIDADE E POBREZA: O QUE A UNIVERSIDADE DO VALE DO RIO DOS SINOS PENSA E TENTA FAZER? (2002)

(Reflexão escrita em 2002, quando o autor exercia a função de Diretor do Centro de Ciências Humanas da UNISINOS)

Pe. José Ivo Follmann SJ (15-8-2002)

É crescente a consciência de que as exigências do momento histórico do qual fazemos parte são radicais. Em função da pergunta formulada no título, três dessas exigências são particularmente candentes para a academia, enquanto tal, e para as pessoas humanas que a constituem: a) somos exigidos a ajudar a encontrar caminhos para a humanidade reaver a dignidade humana; b) somos exigidos a ajudar a humanidade a construir alternativas de justiça social; c) somos exigidos a recriar um mundo sem exclusões e sem violências.

A UNISINOS, ao mesmo tempo em que vem se empenhando, ao longo de toda a sua trajetória, por encontrar as melhores formas de realizar a sua vocação de Universidade que busca a excelência acadêmica, ela vem também aperfeiçoando o seu empenho por traduzir, para dentro deste “ser academia bem-sucedida”, a realização de uma Universidade na qual se vive a Missão da Companhia de Jesus. Esta Missão é apresentada, conforme seus documentos mais recentes, como o serviço da fé cristã, a promoção da justiça e o diálogo cultural e inter-religioso. Trata-se de três componentes profundamente imbricados e formando um todo fecundo e fecundante, refletido no serviço de Deus, porque serviço da Humanidade, e no serviço da Humanidade, porque serviço de Deus.

Mais do que nunca no momento histórico em que vivemos, o compromisso radical com a Humanidade, assumido por quem se coloca ao serviço da fé cristã, implica, por um lado, em um posicionamento concreto a favor de sociedades justas e em defesa de todos os que sofrem injustiças e, por outro lado, em uma postura de abertura, respeito e diálogo em todos os níveis.

Ninguém duvida que a Universidade, em geral, é um espaço privilegiado. Basta que olhemos a sociedade como um todo, para chegarmos a esta incontestável conclusão. A Universidade é um dos lugares onde os excluídos da sociedade menos se permitem sonhar em poder um dia lá chegar. Esta é, sem dúvida, uma das questões que mais diretamente inquieta aos que fazem seu dia-a-dia na Universidade.

A UNISINOS tem por Missão promover a formação integral da pessoa humana e sua capacitação ao exercício profissional, incentivando o aprendizado contínuo e a atuação solidária, para o desenvolvimento da sociedade.

A formação profissional e pessoal, que se dá através das atividades de pesquisa, de ensino e de extensão – seja por meio de participação em projetos de pesquisa, em espaços formativos e eventos culturais e científicos, seja por meio de engajamentos técnicos, sociais, comunitários, celebrativos e esportivos – dá-se num ambiente de incentivo e estímulo para o “sempre aprender” (que nunca está pronto), para o “espírito de solidariedade” (que não se fecha aos excluídos) e para a busca cidadã das melhores soluções em vista do desenvolvimento da sociedade. A UNISINOS fez uma recente opção estratégica, concentrando o seu foco principal de compromisso na participação criativa e impulsionadora do Desenvolvimento Regional, propondo-se, neste sentido, também, a ajudar na congregação das principais forças da Região.

Ao tentarmos responder à questão sobre “o que a UNISINOS faz com relação à pobreza”, deveríamos, sem dúvida, levar em conta todo o complexo da Universidade, com as suas contradições, acertos, erros e constantes buscas por melhor acertar para ser coerente com a sua vocação. Vamos, no entanto, ater-nos a três aspectos: 1) alguns dados sobre atividades de extensão, diretamente orientadas para uma ação comunitária e de desenvolvimento social; 2) uma nota sobre a proposta de “formação humanística de orientação cristã”; e 3) um nota sobre a criação do Instituto Humanitas Unisinos – IHU.

1) As Ações de Extensão desenvolvidas pela Universidade são variadas e podem ser agrupadas, a partir de suas características, em diversas modalidades. Neste texto, concentramos nossa atenção nas que estão agrupadas sob o título de “Ações – Ações Comunitárias e de Desenvolvimento Social”.

No nível dessas “Ações”, a UNISINOS registrou os seguintes números no decorrer do ano de 2001: a) 47 programas, projetos e serviços (envolvendo Ações Comunitárias e de Desenvolvimento Social); b) 252 professores e 927 Acadêmicos envolvidos nessas Ações; c) 176 produções científicas relacionadas com essas Ações; d) 172 eventos promovidos a partir dessas Ações ou integrados com as mesmas; e) a realização de 83.284 atendimentos diretos e de 26.163 atendimentos indiretos.

A título de exemplo, podem ser mencionados os seguintes programas, projetos ou serviços: a) o SAPECCA (Serviço de Atenção, Pesquisas e Estudos com Crianças e Adolescentes): funciona desde 1995, e seu compromisso fundamental é “colaborar na elaboração de Políticas Sociais da área da infância e adolescência que levem em consideração a complexidade dos aspectos políticos, sociais, econômicos e culturais”. Trata-se de um trabalho direto com crianças e adolescentes da periferia pobre de São Leopoldo, visando “proporcionar e contribuir para a construção do exercício da cidadania.”; b) o PEDRA (Programa de Estudos sobre Desenvolvimento e Autonomia no Vale dos Sinos): existe desde 2000 e está voltado para “estudos, seminários e cursos de formação sobre modelos de desenvolvimento, visando à ampliação do conhecimento e o fortalecimento da autonomia do campo popular no Vale do Rio dos Sinos”, e seu escopo é o desenvolvimento da autonomia e solidariedade; c) o Programa de Ação Social na Zona Sul de São Leopoldo (área vizinha do Campus da Universidade): tem como objetivo “proporcionar um processo de educação que permita dar aos envolvidos (no programa) os meios para gerar uma ação transformadora das atuais condições da sociedade, propiciando uma experiência de participação cidadã, tanto por parte da comunidade local, quanto da comunidade acadêmica”; d) Apoio às Cooperativas: é um trabalho que vem sendo realizado desde 1975, proporcionando assessorias técnicas, jurídicas e de formação cooperativa propriamente, bem como ajudando na gestação de iniciativas cooperativas para grupos que buscam alternativas de trabalho e renda;          e) “União Faz a Vida”: é uma proposta, desenvolvida pela Universidade desde 1995, de educação cooperativa para as escolas do ensino fundamental do Estado do Rio Grande do Sul e visa “difundir o espírito do cooperativismo nas Escolas do Ensino Fundamental, através de propostas teórico-metodológicas viáveis, num enfoque holístico, dinâmico e integrativo”. A proposta inclui Educação Ambiental através de formas associativas e solidárias; f) Supletivo de Trabalhadores: iniciado em 1995, é um programa de educação básica de jovens e adultos, visando criar condições para a realização dos estudos da escola fundamental e o desenvolvimento integral do(a) trabalhador(a) que estuda, no ambiente de sua própria empresa de trabalho; g) o PEI (Programa Escolinhas Integradas): em vigor desde 1996, visa “oportunizar às crianças e adolescentes frequentarem um espaço educativo não-escolar que contribua para a construção do projeto de vida e do exercício da cidadania de cada uma delas, com base nos princípios do esporte educacional.”; h) o PRUMO (Programa de Unidades Móveis de Saúde Coletiva): desenvolve, desde 1993, um trabalho de atendimento integral das comunidades, através de atividades educativas numa visão interdisciplinar, estimulando o crescimento comunitário participativo, tendo o homem como agente de sua mudança.

Em geral, estas e outras atividades, entre as quais se destaca ainda a participação do Projeto “Universidade Solidária”, oportunizam importante espaço para os acadêmicos avançarem na sua formação pessoal e profissional, de uma forma mais próxima e solidária com a realidade enfrentada pelas camadas mais empobrecidas da sociedade.

2) A decisão por introduzir um conjunto de disciplinas de “formação humanística de orientação cristã” em todos os Currículos de Graduação e a sua implementação deu-se no ano de 1997.

Trata-se de um conjunto de disciplinas e atividades, somando um total de 300 horas-aula (cinco disciplinas de 60 horas-aula), que, de forma integrada com as demais disciplinas e atividades dos Currículos, objetivam proporcionar aos acadêmicos uma formação geral centrada em três eixos disciplinares: Formação Antropológica, Formação Ética e Formação Latino-americana. Trata-se de uma proposta de formação baseada e orientada de forma coerente com os princípios cristãos.

3) Em 2001, foi constituído o Instituto Humanitas Unisinos – IHU, que é um novo espaço na Universidade para fomentar, desenvolver e articular projetos e programas que envolvam pesquisas, estudos, reflexões, análises e serviços, com a ousadia da criatividade, num contexto de desafios radicais.

O IHU desenvolve as suas atividades em três grandes Áreas integradas entre si. A Área de Ética, Cultura e Cidadania está baseada na idéia de “uma ética para os novos tempos, necessária e possível, que possa introduzir o dever onde tudo é poder”. Objetiva atenção e perspicácia “para apreender a necessidade de elaborar uma antropologia capaz de superar o antropo e o androcentrismo, compreendendo a pessoa humana como inter e retrorelacionada e responsável pelas gerações que estão por vir”. A Área de Economia Solidária, Trabalho e Cooperativismo visa “proporcionar novos paradigmas produtivos, capazes de gerar solidariedade entre os seres humanos e destes com a natureza, o cosmos e o universo, para que, desta forma, o mundo seja um lugar em que todas as pessoas humanas, da nossa e das futuras gerações, possam viver bem e com segurança”. A Área de Religiões, Teologia e Pastoral coloca-se na linha daqueles que afirmam que “a busca de um projeto ético mundial, planetário, capaz de forjar um novo contrato social universal, pode ser impulsionado e dinamizado pelas grandes religiões, nas quais se inclui, evidentemente, o cristianismo com a sua teologia e a sua espiritualidade”.

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Se estes são alguns aspectos importantes que devem ser lembrados para responder à questão formulada no título, deve-se destacar também que é crescente, no âmbito da Universidade, o comprometimento por ajudar a articular redes universitárias nacionais e internacionais, que objetivem a colocar o imenso potencial destas instituições a serviço da busca de alternativas globais viáveis para a Humanidade.

ECOLOGIA INTEGRAL E ESPIRITUALIDADE DO SERVIÇO-APRENDIZAGEM

Texto publicado, como capítulo, no Volumen 3 de la Colección Uniservitate: Espiritualidad y Educación Superior: perspectivas desde el Aprendizaje-servicio. Colección Uniservitate. Coordinación general: María Nieves Tapia. Coordinación editorial: Jorge A. Blanco. CLAYSS, Centro Latinoamericano de Aprendizaje y Servicio Solidario. Argentina, 2022.

José Ivo Follmann sj

Resumo: O ensaio está escrito sob a marca do contexto atual de injustiças, no qual se desenham fortes degradações humanas, sociais e ambientais. Nele se faz uma nota especial em relação ao momento da pandemia presente e ao agravamento que ele representa no processo de degradação humana já em curso por séculos. Na contextualização têm destaque duas iniciativas globais de busca de soluções, como é a dos “objetivos do desenvolvimento sustentável” e a do “pacto educativo global”. É anotada, também, a importância dos 500 anos da espiritualidade inaciana. A atenção principal está no papel da educação e das universidades. A escrita do ensaio se desenvolve basicamente como um “diálogo concreto” movido por uma concepção operativa de justiça, portadora da espiritualidade do cuidado, amparada no paradigma de ecologia integral, como chave de referência no ensino social do Papa Francisco. O texto desenvolve a concepção de processos de conhecimento e ação inerentes a esse horizonte conceitual. Nele é mencionado, em síntese, como exemplo de referência, o modo como o ensino social da Igreja, em suas expressões mais atuais, vem sendo trabalhado operativamente no “marco de orientação de promoção da justiça socioambiental” da província dos jesuítas do Brasil. Estão espelhados nele, também, aspectos visíveis do modo como se dá aprendizagem e a espiritualidade, em coerência com este horizonte conceitual. Busca-se identificar a espiritualidade cultivada inerente à promoção da justiça e ao cuidado, dentro de práticas de “serviço-aprendizagem” junto a comunidades e como isto se manifesta por meio de projetos sociais no contexto universitário. O argumento central do ensaio é concluído com o apoio de recortes narrativos, que pautam práticas de “serviço-aprendizagem” e de espiritualidade inerentes a esses projetos e que são apresentados de forma sucinta. Os relatos são levantados em uma universidade jesuíta do sul do Brasil, sinalizando como são contempladas as principais dimensões da concepção operativa de justiça, dentro do horizonte da ecologia integral.

INTRODUÇÃO

A carta encíclica Laudato Si’ (Papa Francisco, 2015, LS) gerou um forte impacto na opinião pública mundial. Alguns fizeram uma leitura precipitada, focados na dramática crise ambiental que assola a humanidade. No entanto, aos poucos ficou evidenciado que se tratava de uma proposta muito mais profunda, desafiando a humanidade a se posicionar dentro de um novo paradigma sintetizado na expressão “ecologia integral”, com desdobramentos nos processos educacionais, na produção de conhecimento e nas práticas tecnológicas, socioculturais e humanas. A degradação da natureza ou ambiental deve ser pensada na sua interrelação profunda com a degradação humana e social, afirma a encíclica:

O ambiente humano e o ambiente natural degradam-se juntos, e não podemos enfrentar adequadamente a degradação ambiental, se não prestamos atenção às causas que têm a ver com a degradação humana e social. (Papa Francisco, 2015, LS, 48).

A carta encíclica chama a atenção que tudo está intimamente relacionado e os problemas atuais exigem um olhar voltado com atenção para todos os aspectos da crise mundial. Neste sentido, ele propõe “uma ecologia integral que compreenda claramente as dimensões humanas e sociais”. (Papa Francisco, 2015, LS, 137). Isto está expresso, com precisão, na sequência:

Não há duas crises separadas: uma ambiental e outra social; mas uma única e complexa crise socioambiental. As diretrizes para a solução requerem uma abordagem integral para combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e, simultaneamente, cuidar da natureza. (Papa Francisco, 2015, LS, 139).

Em 2020, o Papa Francisco publicou uma nova carta encíclica, a Fratelli Tutti (FT), na qual ele procura dar conta das dimensões humanas e sociais, quase sendo um novo grande capítulo para completar a reflexão desenhada na LS. Ao apresentar esta nova carta encíclica, na Praça São Pedro no dia 08 de outubro de 2020, o Papa Francisco assim se expressou: “A fraternidade humana e o cuidado da criação formam a única via para o desenvolvimento integral e a paz” (Papa Francisco, 2020b). É importante anotar que Papa Francisco não fala “duas vias”, mas sim “uma única via”. Por trás desse cuidado com a linguagem reside, sem dúvida, um recado muito claro com relação à proposta já explicitada na LS que aponta para a necessidade de uma ecologia integral. Parece que o Papa sinaliza que o conteúdo da FT deve ser aprofundado de forma integrada com o conteúdo da LS. As duas cartas encíclicas em seu conjunto, somam, com certeza, uma grande síntese atual do ensino social da Igreja.

A ideia da ecologia integral não se constitui, a rigor, como algo novo. Em diversos âmbitos das ciências podemos encontrar pensadores que, sobretudo, ao longo dos últimos cinquenta anos, demonstraram com vigor preocupações similares. Deve ser lembrado, por exemplo, o trabalho de Félix Guattari, sobre a ecosofia, desenvolvendo uma chave de leitura fecunda a partir da ideia das “três ecologias” (Guattari, 1990). Afonso Murad (2020) desenvolve uma reflexão detalhada e muito sugestiva a respeito da ecologia profunda (deep ecology), trazendo a contribuição de diversos autores, tendo com destaque, sobretudo, o filósofo e ecologista norueguês Arne Naess (2007, 2017).

O presente ensaio, sem retomar o detalhamento do processo de evolução do conhecimento consubstanciado nesses estudos e debates epistemológicos, está totalmente amparado no grande horizonte da ecologia integral, que nos é oferecido pelo viés do atual ensino social da Igreja. O desdobramento do ensaio está organizado em três partes: 1) traçado sintético, através de algumas sinalizações mais relevantes, dos principais dramas de degradação humana, social e ambiental, que envolvem a humanidade, hoje, e os grandes desafios expressos particularmente em dois movimentos de busca global de solução, expressos nos “objetivos do desenvolvimento sustentável” (2015-2030) e no “pacto educativo global” (Klein, 2021; Congregação para a educação católica, 2020), bem como a espiritualidade inerente a tudo isto; 2) proposta de operacionalização do conceito de justiça socioambiental, conforme está desenhada pela província dos jesuítas do Brasil em seu “marco de orientação da promoção da justiça socioambiental” (Companhia de Jesus -Jesuítas do Brasil, 2020)  e a espiritualidade da qual este marco é portador; 3) síntese narrativa, no horizonte do debate da função social das universidades, de aspectos de práticas de “serviço-aprendizagem”, presentes em alguns projetos universitários com a comunidade e traços de espiritualidade neles expressos.

1. UM UNIVERSO EM EBULIÇÃO: INTERROGAÇÕES E PERSPECTIVAS

Em nossos dias, a degradação civilizacional na sociedade humana é visível. São muitas as reflexões sobre este fenômeno presente. Como são, também, muitos os estudos e manifestações, de toda ordem, que se debruçam sobre os sintomas crescentes e explícitos do estado de gravidade dessa degradação.

A humanidade teria perdido o seu senso de humanidade? Estaríamos feitos reféns de superficialidades e abalados em valores que sempre foram fundamentais, como o valor da própria dignidade do ser humano? A síndrome da prepotência arrogante e autossuficiente de uns poucos, mascarada de forma vil diante de todos, parece assumir formas escandalosamente visíveis e descaradas. O descaso em relação ao ser humano, em muitas situações políticas, econômicas e sociais, assume formas de irresponsabilidade extrema, calculada e perversa. Isto se expressa, sobretudo, no acúmulo inominável da concentração de riquezas e na exclusão, no descarte e na morte dos mais sofridos. Em diversos lugares, tornaram-se ostensivas e assustadoras as manifestações de racismos, xenofobias e preconceitos discriminatórios de toda ordem.

O descuido para com a vida, em todos os sentidos, especialmente para com a “mãe terra”, parece ser uma chaga incurável. Apesar de todos os movimentos e esforços por encontrar a cura desse mal, parece que a ambição e o lucro a todo custo continuam imperando. Vivemos tempos que ameaçam levar de roldão os esforços gigantescos e as conquistas da humanidade, após muita construção civilizacional. Infelizmente o quadro que se desenha parece ser o quadro de aceleramento agudo da degradação em todos os sentidos.

É urgente que a degradação ceda lugar ao reconhecimento. É urgente que processos de educação sadios retomem as rédeas da humanidade para que ela possa reapropriar-se de sua condição humana. É urgente que se restabeleça a alma da humanidade.

1.1. A Pandemia e a retomada da consciência?

A sacudida da humanidade, no presente momento de pandemia,[1] traz consigo desafios não postergáveis. Se a situação é muito desafiadora, é, também, alentador que, por todos os recantos da terra, despontem sinalizações e vislumbres consistentes de um novo mundo possível e necessário. Estão sendo tecidas novas lógicas em nível pessoal e coletivo. O seu alcance e sua consistência não são mensuráveis. Mas, com certeza, apontam para a necessidade e a urgência da transformação radical.

Ainda estamos afundados na pandemia. Não sabemos quando poderemos vislumbrar a nova realidade, que alguns estão chamando de “pós-pandemia”. Temos dificuldades para desenhar essa realidade futura, em nossas mentes e corações. Algumas ideias são repetidas. Faço memória de duas: 1) A pandemia veio para inaugurar definitivamente aquilo que, há muito tempo, vem sendo denominado de mudança de época. 2) Com a pandemia as seguranças que marcaram as normalidades do século XX caem por terra e se inicia, de verdade, o século XXI.

Segundo o Cardeal José Tolentino Mendonça (2020), a atual pandemia nos faz entrar em uma nova época da história. A pandemia vai passar. Mas nós já estaremos em outra época da história, em termos culturais, civilizacionais e espirituais: uma época espiritualmente outra.

Como jesuíta que sou por opção de consagração religiosa dentro da Igreja Católica, não posso deixar de fazer menção ao momento importante que a Companhia de Jesus, como ordem religiosa, está vivendo, ao celebrar os quinhentos anos de conversão de Inácio de Loyola, ou seja, de espiritualidade inaciana (1521-2021). Ele foi uma personalidade que protagonizou rupturas radicais em sua própria trajetória. Inaugurou uma espiritualidade transformadora, radicalmente contestadora das lógicas dominantes, em sua própria família e em seu contexto social e cultural. Ele mexeu nas estruturas de base que o sustentavam. A guinada espiritual lhe proporcionou um novo sentido à vida. Passou a ver as pessoas e as coisas a partir de uma lógica totalmente outra. Passou de um “olhar degradante e depravador” para um “olhar de reconhecimento e dignificador”. Passou a “ver Deus em tudo”, assumindo um comportamento totalmente novo[2].

A pandemia também mexeu muito conosco. Embaralhou as nossas lógicas. Colocou em questão as estruturas de base e as certezas que nos sustentam. Ela reacendeu, em todos os recantos da terra, a busca e a escuta das diversas vozes da sabedoria humana na história. Essas vozes sempre estiveram presentes. Infelizmente a humanidade tornou-se surda a elas.

Para nós que somos de tradição cristã, o “totalmente novo” que referimos acima, assim como em Inácio de Loyola, nos faz volver à interioridade do grande e insondável mistério de amor do “grito regenerador” de Jesus Cristo. E nele retornam e reboam as três perguntas originárias: “Onde estás”? “Onde está o teu irmão”? “Como está a criação”? presentes no início das sagradas escrituras de nossa tradição[3].

Em uma leitura que fiz em inícios de 2019, de um pequeno livro do teólogo brasileiro Leonardo Boff (2018), uma passagem me chamara particular atenção: “Vamos criar juízo e aprender a ser sábios e a prolongar o projeto humano, purificado pela grande crise que seguramente nos acrisolará”. O autor referia duas passagens riquíssimas da Sagrada Escritura, onde Deus aparece como “apaixonado amante da vida” (Sb 11, 24) e que nos faz um apelo radical: “Escolhe a vida e viverás” (Dt 30, 28). Leonardo Boff escrevia: “Andemos depressa, pois não temos muito tempo a perder” (Boff, 2018).

A pandemia me fez compreender mais profundamente aquela assertiva. Eu torço, agora, para que a pandemia possa efetivamente ter contribuído para que paremos de correr na direção errada (da morte) e para que aceleremos os passos na direção certa (da vida). Esta é a espiritualidade que mais necessitamos.

1.2. Outras interrogações específicas

Como já mencionei, parece que estamos vivendo um tempo de aceleramento agudo da degradação em todos os sentidos. Trata-se de algo generalizado, mas particularmente presente em alguns contextos mais explorados, deteriorados e empobrecidos. Ao mesmo tempo em que se alarga o fosso das desigualdades sociais, se ampliam, também, escandalosas agressões ao meio ambiente em diferentes contextos.

Às vezes me surpreendo ao reavivar dentro de mim imagens que ocupam a minha retina. Faço aqui dois registros através da expressão de olhares que podem ser considerados paradigmáticos[4]:

1) O olhar de uma criança negra, representando milhões de olhares de crianças obrigadas a sobreviver no meio dos dejetos do déficit habitacional escandaloso das grandes periferias urbanas. São crianças que crescem dentro de um submundo degradado e desumano. É um olhar, que na sua expressão de inocência e encanto, grita por justiça. É um olhar no qual se perfilam milhões de olhares de adultos, já não mais inocentes, mas humilhados, desconfortados, revoltados ou desesperadamente conformados, na dor e na angústia de um “destino” injustificado, interrogando diariamente o mundo do luxo, do desperdício e da indiferença[5] que os esmaga. Uma interrogação que vem do mundo do lixo, da fome e do anseio por atenção e reconhecimento.

2) O olhar triste e desencantado do líder indígena frente a uma das múltiplas empresas monstruosas, devastadoras do seu habitat, se misturando com a tristeza e o desespero de centenas de povos originários vítimas de processos genocidas que marcam a história latino-americana e dos povos colonizados em geral. Retrata a triste marca genocida do processo colonizador que continua sendo reproduzido em nossas mentes e em nosso existir. As nossas espiritualidades, inclusive, não conseguem se libertar disso. É um olhar que nos interroga com vigor, ao mesmo tempo, fascinante e profundamente perturbador. Um olhar acompanhado pelo grito desesperado dos povos indígenas sendo diariamente violentados em seus territórios.

Parafraseando o pensamento de Boaventura de Sousa Santos (2019), somos sociedades sobre cujas histórias e estruturas pesa terrivelmente a tríplice marca do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado. Esta tríplice herança continua vivamente desenhada pelos atuais traços de economias extrativistas e acentuadamente financeiras, geradoras de desigualdades sociais escandalosas, pelo racismo estrutural que mostra, de forma renovada, as suas evidências em múltiplos casos e pela consciência sempre viva da morosidade com que avança a conquista da equidade em todos os âmbitos das sociedades.

A função da educação está, também, em ajudar a desconstruir as perversidades desumanizantes inerentes à tríplice herança referida, do capitalismo, do colonialismo e do patriarcado (Santos, 2019)[6]. Paralelamente em muitos contextos acontecem movimentos de espiritualidade que ajudam a reabilitar as contribuições das sabedorias ancestrais africanas e indígenas no Brasil.

1.3. Nota a partir dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável

Segundo Victor Martin-Fiorino (2020), um dos aspectos destacáveis no início do século XXI foi a existência de uma declaração da Organização das Nações Unidas – ONU apresentando oito grandes Objetivos para o Milênio, prevendo-se a sua avaliação até 2015. Entre os objetivos se destacou o objetivo 7 voltado para a sustentabilidade do meio ambiente. O balanço das quatro metas deste objetivo, junto com as dos outros objetivos, em relação ao seu cumprimento, foi estimado positivo, em 2015, apesar de se ter constatado um nível de engajamento muito baixo de parte dos Estados, das empresas e outros atores sociais (Martin-Fiorino 2020, p.153).

Em 2015 a ONU formulou os conhecidos “objetivos do desenvolvimento sustentável” – ODS 2015-2030 (Nações Unidas, 2015) Apesar de todos os objetivos voltados para a sustentabilidade ambiental serem centrais na proposta do presente texto, optamos por dar destaque especial ao objetivo 4: “Educação de qualidade: assegurar a educação inclusiva e equitativa e de qualidade, e promover oportunidades de aprendizagem ao longo da vida para todas e todos” (Nações Unidas, 2015).Este objetivo está necessariamente interligado com os demais objetivos que dão conta das principais urgências para um efetivo desenvolvimento sustentável.[7]

No discurso do dia 25 de setembro de 2015 na sede da ONU, na celebração dos 70 anos da entidade, na qual foram publicados os ODS, o Papa Francisco, depois de fazer um amplo traçado sobre os grandes desafios para a humanidade hoje, retomando muitos pontos expressos na carta encíclica LS, fez o seguinte apelo:

Para que estes homens e mulheres concretos possam subtrair-se à pobreza extrema, é preciso permitir-lhes que sejam atores dignos do seu próprio destino. O desenvolvimento humano integral e o pleno exercício da dignidade humana não podem ser impostos; devem ser construídos e realizados por cada um, por cada família, em comunhão com os outros seres humanos e num relacionamento correto com todos os ambientes onde se desenvolve a sociabilidade humana – amigos, comunidades, aldeias e vilas, escolas, empresas e sindicatos, províncias, países etc. Isto supõe e exige o direito à educação – mesmo para as meninas (excluídas em alguns lugares) -, que é assegurado, antes de tudo, respeitando e reforçando o direito primário das famílias a educar e o direito das Igrejas e de agregações sociais a apoiar e colaborar com as famílias na educação das suas filhas e dos seus filhos. A educação, assim entendida, é a base para a realização da Agenda 2030 e para a recuperação do ambiente (Papa Francisco, 2015b).

O foco do pronunciamento do Papa Francisco é claro e aponta para a importância do suprimento de todos, em dois níveis: A nível material, este mínimo absoluto tem três nomes: casa, trabalho e terra. E, a nível espiritual, um nome: liberdade do espírito, que inclui a liberdade religiosa, o direito à educação e os outros direitos civis”. (Papa Francisco, 2015b). Ou seja, é exigência para a dignidade humana poder ter habitação, trabalho digno e devidamente remunerado, alimentação adequada e água potável, junto com liberdade religiosa e, mais em geral, liberdade do espírito e educação.

Segundo o Papa Francisco, uma verdadeira abordagem ecológica “sempre se torna uma abordagem social, que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos pobres” (Papa Francisco, 2015, LS, 49). Neste sentido a Ecologia Integral contempla a tarefa convergente de “combater a pobreza, devolver a dignidade aos excluídos e cuidar da natureza” (Papa Francisco, 2015, LS, 139).

Quando concentramos a nossa preocupação central na Ecologia Integral, segundo Martin-Fiorino, para além das conceituações científicas, a nossa atenção se dirige ao fato de que a ecosfera é a nossa Casa Comum, fazendo com que discurso científico e discurso engajado, voltado para todas as formas de vida, se misturem:

– Na reconciliação com uma lógica da vida, que permite que transcendamos a nós mesmos, rompendo as autorrefencialidades, numa perspectiva de cuidado dos demais e do meio ambiente (Papa Francisco, 2015, LS, 208).

– Na reciprocidade, na ajuda e cuidado mútuos e dos seres humanos, em suma, na solidariedade para com os demais, superando a cultura do descarte (Papa Francisco, 2015, LS, 156).

– Na convivência com todos os seres vivos, viventes humanos e não humanos, desde o princípio universal do destino dos bens, a começar pelos mais fragilizados (Papa Francisco, 2015, LS, 158).[8]

1.4. A proposta do Pacto Educativo Global

Na sua mensagem, no dia do lançamento do Pacto Educativo Global, em 12 de setembro de 2019, o Papa Francisco marcou o evento com as seguintes palavras:

Toda a mudança requer um percurso educativo para construir novos paradigmas capazes de responder aos desafios e emergências do mundo atual, de compreender e encontrar as soluções para as exigências de cada geração e de fazer florir a humanidade de hoje e de amanhã (Papa Francisco, 2019).

O Papa Francisco sempre foi muito atento à questão da educação, desde o início de seu pontificado. Mesmo que às vezes se referisse diretamente às instituições de ensino em seus diversos níveis, em geral a sua atenção se centrou na ação educativa como processo social inerente à sociedade gerando sentido comprometendo harmonicamente o passado, o presente e o futuro da humanidade. O seu conceito de educação envolve um grande leque de experiências de vida e de aprendizagens, levando os jovens a desenvolver as suas personalidades, tanto individual como coletivamente.

Em seu discurso para os participantes de um Seminário sobre o tema “Education: The Global Compact”, promovido pela Pontifícia Academia das Ciências Sociais, 07 de fevereiro de 2020, o Papa Francisco insistiu que é necessário que se restabeleça o processo educativo de forma integral. Que as novas gerações compreendam e se apropriem integralmente da própria tradição e cultura, que é algo inegociável, na relação com as outras culturas. O cultivo da autocompreensão, de forma aberta à diversidade e às mudanças culturais. E remarcou:

Desta forma será possível promover uma cultura de diálogo, uma cultura de encontro e de compreensão mútua, de forma pacífica, respeitadora e tolerante. Uma educação que permita identificar e promover os verdadeiros valores humanos numa perspectiva intercultural e inter-religiosa.

(…) Ao promover a aprendizagem da cabeça, do coração e das mãos, a educação intelectual e socioemocional, a transmissão dos valores e virtudes individuais e sociais, o ensino da cidadania engajada e solidária com a justiça, e a transmissão das competências e conhecimentos que formam os jovens para o mundo do trabalho e da sociedade, as famílias, as escolas e as instituições tornam-se veículos essenciais para o empowerment da próxima geração. Então sim, já não se fala de um pacto educacional quebrado. Este é o pacto! (Papa Francisco, 2020a).

Não temos como alongar a nossa exposição aqui sobre tudo aquilo que o “pacto educativo global” significa, mas é importante que em breves traços façamos o registro de que ele se caracteriza pela centralidade da pessoa em todo processo educativo e, também, por retomar a importância da família como o primeiro e indispensável sujeito educador. Nele é dada, também, toda atenção à escuta das crianças, adolescentes e jovens, de modo especial meninas em determinadas situações, de sete compromissos, dando destaque à centralidade da pessoa no processo educativo, ouvindo a voz das crianças, adolescentes e jovens, em especial as meninas, em certas situações. Ele está focado na prática do acolhimento com abertura para os mais vulneráveis e marginalizados e aponta para a necessidade de encontrar outras formas de compreender a economia, a política, o crescimento e o progresso, na perspectiva duma ecologia integral e guardar e cultivar a nossa casa comum[9].

2. O CONCEITO OPERACIONAL DE JUSTIÇA SOCIOAMBIENTAL E A HIPÓTESE DE APROXIMAÇÃO COM DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E EDUCAÇÃO INTEGRAL

2.1. Prolegômenos

Uma hipótese de atalho que encontramos para ir ao encontro dos apelos presentes tanto nas cartas encíclicas sociais do Papa Francisco, como na formulação dos “objetivos do desenvolvimento sustentável” da ONU e, sobretudo, no “pacto educativo global”, está naquilo que estamos definindo como “promoção da justiça socioambiental”. O empenho explícito da Companhia de Jesus, desde finais do século XX em integrar o compromisso com a justiça social e as questões ambientais, está muito bem expresso no Marco de Orientação da Justiça Socioambiental da província dos jesuítas do Brasil (Província dos Jesuítas do Brasil, 2020). Como já sinalizei na introdução deste ensaio, este empenho foi intensamente reforçado com a explicitação do paradigma de Ecologia Integral, nas encíclicas sociais do Papa Francisco.

2.2. Vetores temáticos da promoção da Justiça Socioambiental

Sob a articulação do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA[10], que é o órgão que facilita o funcionamento das ações de promoção da justiça, a busca permanente está em construir uma cultura do cuidado, focando a atenção em três grandes cuidados: o cuidado da dignidade humana na atenção a nós mesmos e aos outros, o cuidado dos dons da criação em sua diversidade e o cuidado do ordenamento socioeconômico e das políticas públicas na atenção à diminuição das desigualdades sociais.

  • Cuidado da dignidade do ser humano, na atenção a nós mesmos e aos outros.

É a dimensão ou vetor temático do cuidado da dignidade humana, amparada no autoreconhecimento e no reconhecimento dos outros. Esta dimensão acontece, na prática, nas relações conosco mesmos em nossa autocompreensão e identificação e com o diferente, nas relações étnico-raciais, religiosas, de gênero, de geração, de origem nacional, de visões de mundo e opções, buscando sempre formas de estabelecer o diálogo, o valor da pluralidade e a inclusão de todos/as.

  • Cuidado dos dons da criação, da vida e da saúde dos ecossistemas.

É a dimensão ou vetor temático do cuidado dos dons da criação. Trata-se da conservação, preservação e usos adequados dos dons naturais, em vista do cuidado dos ecossistemas saudáveis e da vida para o futuro do planeta terra e de seus habitantese atenção especial ao nosso modo de ser, viver e trabalhar e à diversidade da vida nos diferentes biomas de cada território.

  • Cuidado das políticas, da sociedade e da economia em vista da diminuição das desigualdades sociais.

É a dimensão ou vetor temático do cuidado do ordenamento socioeconômico e das políticas públicas. Nesta terceira dimensão está fundamentalmente em questão a diminuição das desigualdades, das exclusões sociais e da pobreza, pela busca do acesso universal aos direitos básicos de trabalho, assistência social, previdência, segurança, saúde, moradia, educação, alimentação e nacionalidade.

2.3. Posições estratégicas da promoção da Justiça Socioambiental

Tentando pensar, na prática, o nosso compromisso com a promoção da justiça, no esforço de termos alguma incidência nisso, e tendo presente a perspectiva e amplitude social e ambiental apontadas, estão sendo ensaiados, dentro do marco referido, alguns atalhos operacionais. Distinguimos, neste sentido, três níveis concretos ou diferentes posições estratégicas em nossas incidências nas práticas na promoção da justiça ou da justiça socioambiental. Ou seja, podemos incidir nas práticas de justiça efetivadas em nível de produção do conhecimento, em nível de interlocução direta com grupos, organizações e movimentos nas ações junto às tomadas de decisão, e, sobretudo, em nível de cotidiano em nosso ser, viver e agir, no dia a dia.

Os cuidados acima descritos segundo as três dimensões ou vetores temáticos que delimitamos, passam a ter força operativa quando visualizadas nessas três posições estratégicas ou níveis transversais. Entendo que essa transversalidade tríplice e complexa, apresentada aqui em formato caricato e simplificado, pode estar apontando para uma chave fecunda no avanço dentro da ideia de desenvolvimento sustentável e de educação integral.

3. A FUNÇÃO SOCIAL DA UNIVERSIDADE, “SERVIÇO-APRENDIZAGEM” E ESPIRITUALIDADE

3.1. Impactos na academia e na sociedade

A inquietação e o apelo profético expressos pelo teólogo Leonardo Boff, mencionados anteriormente, não são novidade, mas fazem ecoar e repercutir de forma nova e vigorosa o grito múltiplo e multimilenar da própria alma da humanidade. Trata-se, sobretudo, de uma interpelação ética, com a qual muitas vozes vêm fazendo eco, ao longo das últimas décadas. É uma interpelação dirigida também para as instituições acadêmicas, em sua função precípua de produção do conhecimento e formação de profissionais em todas as áreas de conhecimento.

Existe um descompasso, ainda abismal, entre as demandas da sociedade e as efetivas entregas do meio acadêmico. Existem também muitos esforços pela superação desse abismo. Uma multiplicidade de intelectuais e outros agentes sociais deveriam ser destacados, aqui, por suas contribuições, a partir das mais diversas posições, na busca dessa superação. O presente ensaio não permite retomar todo esse debate que, como a temática da ecologia integral, ou, de forma associada a essa temática, nos enche de esperança. Não posso, no entanto, deixar de mencionar em destaque, a teoria da complexidade (Morin, 2005), o conceito e a prática transdisciplinar (Nicolescu, 2000), os debates sobre a “ecologia dos saberes” (Santos, 2010) e sobre a “racionalidade ambiental” (Leff, 2006, 2016), como alguns dos múltiplos e promissores caminhos de aproximação entre o mundo acadêmico o mundo fora da academia. Em todos esses caminhos são-nos fornecidas chaves importantes para a revalorização de saberes que foram atropelados e marginalizados pelas racionalidades acadêmicas e suas lógicas viciadas e segmentadas.

A sociedade humana, apesar dos avanços tecnológicos importantes ou, muitas vezes, por causa deles, da maneira como esses se deram, está longe de ter resolvido os seus próprios problemas internos. A mesma coisa se deve dizer quanto aos conflitos gerados na relação do ser humano com os bens naturais. Alguns problemas internos e, também, conflitos na relação com a natureza tenderam a se agravar. O mundo acadêmico está sendo escandalosamente moroso ou, até, alienado no exercício do seu papel.

O cenário em que irrompe a complexa crise socioambiental (social e ambiental) é o de um mundo em ebulição, onde as contradições de problemas atuais e problemas do passado compõem conjuntamente o enredo para a compreensão dos problemas e conflitos que devem ser encarados concretamente pelo meio acadêmico. O mundo está em crise, não porque está em processo criativo, mas porque é um mundo em degradação, tentando sobreviver. A Universidade sobreviverá se conseguir ajudar a humanidade e o mundo a sobreviver. A Universidade só tem sentido se for geradora de processos criativos dentro da humanidade.

A “retomada da consciência” provocada pelo choque da pandemia pode tender a ser mais um movimento superficial e inconsequente, se a humanidade permanecer inerte e não souber lançar mão de sua expertise para, dentro de cada contexto cultural, fazer as pazes com o seu passado. Este fazer as pazes com o seu passado necessita de uma profunda transformação tanto em nível da educação, como, também, dentro daquilo que chamamos de espiritualidade ou alma da humanidade.

3.2. A função da Universidade

De fato, quando pensamos o cuidado da dignidade humana, o cuidado da sociedade e o cuidado ambiental, estamos frente a importantes lógicas de relações complexamente presentes na sociedade, e nem sempre o mundo acadêmico conseguiu estabelecer uma interlocução coerente. Ao contrário, o mundo acadêmico tendeu a se isolar construindo o seu mundo próprio.

Como facilitar essa interlocução? Como romper o isolamento e autorrefencialidade da academia? Um caminho importante é o de sempre voltarmos para três perguntas ou questões básicas: 1) A primeira questão, em nosso “que fazer” universitário, sempre deve ser: que sociedade nós queremos? 2) Uma segunda questão naturalmente se seguirá: que sujeitos formar para essa sociedade que queremos? e 3) A terceira questão, consequentemente, fará voltar o nosso olhar para as universidades, enquanto tal: que educação nós necessitamos? E, dentro desta questão: que universidade para ser coerente com a educação necessária para os sujeitos e a sociedade buscados? (cfr. Follmann, 2008, p. 322)[11].

O nosso sonho é na direção de uma sociedade sustentável, isto é, uma inovação tecnológica condizente com os avanços internacionais e com o estabelecimento de garantias de sustentabilidade social e ambiental, em vista da sobrevivência equilibrada da sociedade e do meio ambiente, no presente e no futuro. Por isso, os cidadãos e profissionais dessa sociedade devem passar por um processo de formação condizente e o sistema no qual este processo formativo se dá deve ser impulsionador disto. Encontramos, sem dúvida, os melhores direcionamentos para isto na Pacto Educativo Global acima referido.

3.3. Projetos sociais e espiritualidade do “serviço-aprendizagem”

A Universidade que tomei como referência neste estudo, é uma Universidade Jesuíta que se situa no sul do Brasil. Nessa Universidade existe uma instância denominda Centro de Cidadania e Ação Social – CCIAS[12], que congrega e articula os projetos sociais da Instituição. Entre os 18 projetos que vem sendo desenvolvidos como serviços de interface entre Universidade e comunidade, escolhi cinco para colher elementos para a presente reflexão:

1) A Horta Mãe-da-Terra é um projeto de produção coletiva de hortaliças e plantas alimentícias não convencionais, desenvolvido por estudantes da Universidade, estudantes de educação básica e professores, junto a uma escola municipal em um bairro popular.

2) O Programa Esporte Integral é um conjunto de atividades coletivas, em interface com a comunidade, que funciona no centro esportivo do Campus Universitário e em outros espaços focado na formação da cidadania, nas experiências de democracia participativa e no exercício do direito ao lazer, a partir de práticas esportivas.

3) O Programa de Atenção Ampliada à Saúde, funciona em um prédio de fácil acesso, nas proximidades da Prefeitura Municipal, e se caracteriza como “serviço-escola” interdisciplinar na área da saúde, tendo como um de seus focos o Serviço-Escola institucional do Curso de Psicologia.

4) O Vida-com-Arte é uma proposta de educação musical e fortalecimento de vínculos que atende crianças e adolescentes da rede escolar do município, que se encontram em situação de vulnerabilidade social, tendo como foco principal proporcionar aos participantes a oportunidade de conviverem em um ambiente sadio e desenvolverem suas habilidades musicais e humanas.

5) O Grupo de Cidadania e Cultura Religiosa Afro, é um espaço criado, no Campus Universitário, pelo Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas – NEABI, realizando encontros semanais da comunidade de afrodescendentes do município e arredores. Reúne crianças, jovens, adultos e idosos, para uma convivência cultural, de diálogo inter-religioso, de aprendizagens coletivas e de conhecimento de sua realidade e de aproximação com o mundo acadêmico.

Tem-se assim, dentro de cinco frentes de interface da Universidade com a comunidade, uma diversidade bastante sugestiva de espaços que proporcionam práticas, que podem ser consideradas pertinentes, em termos de “serviço-aprendizagem”.

Na Horta Mãe da Terra, na qual estão envolvidos professores, educadores, acadêmicos estagiários e os participantes locais, os processos de aprendizagem se dão “por meio da educação integral que visa desenvolver as dimensões da pessoa a partir de reflexões e experiências abordando a esfera social, política, afetiva, cultural, mística e ambiental”. A coordenação do projeto comenta que: “quando trabalhadas de maneira prática formam cidadãos com um pensamento crítico, emancipatório, político, transformador, social e propositivo capaz de analisar e agir nas complexas relações existentes entre processos naturais e sociais na escola e na comunidade”. Falando especificamente do aprendizado dos educadores e estagiários, a coordenação comenta, que em todo este processo: “educadores e estagiários têm a oportunidade de trabalhar com uma comunidade que ainda apresenta elevado índice de vulnerabilidade social. Trata-se de uma experiência transformadora” (Projeto Horta Mãe da Terra, in Olma, 2021)[13].

O Programa Esporte Integral, fiel ao seu objetivo central que é a formação na cidadania, favorece espaços de “serviço-aprendizagem” em diferentes experiências de democracia participativa, no exercício concreto do direito ao lazer, mediante práticas esportivas e de lazer, coletivamente construídas. Nessas práticas todas/os participantes, junto com integrantes das equipes, profissionais, estagiárias/os e técnicas/os, são sempre, na medida do possível e viável, envolvidas/os no planejamento, na busca de conhecimentos e nas avaliações.

O Programa de Atenção Ampliada à Saúde tem como objetivo promover práticas em saúde, contemplando as necessidades constitutivas dos processos de desenvolvimento humano e societário com vistas à qualidade de vida. Nele, todas/os profissionais, professoras/es, técnicas/os, estagiários/as e estudantes, são envolvidas/os nas mais diferentes atividades formativas e de atendimento, havendo sempre o reforço por meio de seminários teóricos sistemáticos, de supervisão semanal, de estudos de casos mensais, além da formação continuada para a capacitação em diferentes áreas e temáticas. Os grupos participantes, ou o público-alvo do programa, têm seus processos de aprendizagem voltados à psicoeducação, hábitos alimentares, higiene e hábitos saudáveis, além de outros aspectos trabalhados em consultas individuais, em conjunto e/ou em grupos. Tudo isto faz com que vislumbre nos seus espaços de trabalho deste programa, uma experiência significativa de “serviço-aprendizagem”.

O Vida-com-Arte veio proporcionando ao longo da década de 2010, um processo diferenciado de “serviço-aprendizagem” fazendo com que em três encontros semanais profissionais músicos, estagiários, oficineiros e jovens aprendizes das escolas das periferias mais vulneradas do município tivessem oportunidade de trocas coletivas no manejo musical de instrumentos como violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flautas e percussão. Momentos importantes de aprendizagem sempre foram também a interação dos oficineiros nos próprios ensaios da orquestra da Universidade, através do manejo de instrumentos e do canto. A prática de apresentações públicas sempre representou ponto de culminância no processo de aprendizagem e formação dos sujeitos em sua cidadania.

O Grupo de Cidadania e Cultura Religiosa Afro se caracteriza, sobretudo, por atividades voltadas para o processo histórico e identitário da população negra na região e, também, a dimensão religiosa diversa dos participantes. Os processos de aprendizagens sempre se deram de forma coletiva, sobretudo, mediante rodas de conversa com todas/os todos, profissionais professores, estudantes e participantes de todas as idades interagindo de forma dialogada. Uma metodologia utilizada na análise de histórias de vida da população negra do município foi o que denominamos de hermenêutica coletiva. A oralidade, com a contação de histórias de vida e troca de experiências, envolvendo a todas/os sempre foi o que mais marcou as práticas de aprendizagem. O “Cidadania” se considera um espaço de aprendizado coletivo e de inclusão afirmativa da população afro no meio acadêmico.

Quando buscamos identificar aspectos relativos à espiritualidade presente nos projetos sociais em questão, abrem-se horizontes de percepção muito interessantes, tais como:

A equipe que coordena, por exemplo, o projeto Horta Mãe da Terra, nos relatou que entendem e praticam “a espiritualidade por meio do espaço da horta como sendo uma ferramenta de conexão para promover o cuidado com a vida e o bem viver”. Ou, ainda, é relatado pela coordenação o modo como é considerada a na visão do projeto: “a terra como nossa “grande mãe”, a “pachamama”, dos povos indígenas, e a “magna mater” de quase todas as tradições da humanidade assegurando uma vida digna. A espiritualidade ocorre durante o cultivo e o cuidado com a terra” (Projeto Horta Mãe da Terra, in Olma, 2021).

No que se refere à espiritualidade nas nossas atividades do Programa Esporte Integral, foi relatada a existência de alguns espaços: “Nestes espaços, a partir das demandas trazidas pelos participantes criam-se estratégias de diálogo, dinâmicas, visitas a outras organizações e demais ações que ampliem e possibilitem construções enquanto grupo”. Estes espaços foram assim caracterizados: “ricos espaços de reflexão e de construção coletiva de valores”. (Projeto Esporte Integral, in Olma, 2021).

Para falar em espiritualidade, a coordenação do Programa de Atenção Ampliada à Saúde, foi clara em relatar dentro dos seguintes termos: Nós “não temos momentos específicos para a espiritualidade”, no entanto, “somos uma equipe cuja postura ética, encaminha nossas tomadas de posição e escolhas, sempre buscando o melhor para a população atendida, participantes e estagiários”. Em outra passagem do depoimento, a coordenação relata: “Estamos integrados, construindo cotidianamente o trabalho de forma coletiva. Realizamos composições que partem do diálogo e que sempre visam o melhor para a nossa coletividade”. A coordenação também fala das parcerias na busca de soluções, como prática de espiritualidade, ou seja, não querer ficar isolados: “Buscamos compor com parceiro, tentando alianças de trabalho e ampliação de soluções para os inúmeros problemas e desafios encontrados” (Programa Atenção Ampliada à Saúde, in OLMA, 2021).

Quanto ao Projeto Vida-com-Arte, segundo a sua coordenação, é importante anotar que “o projeto gera impacto em muitas vidas de jovens e adolescentes, e ele mesmo é a expressão de uma prática espiritual constante, de correção das injustiças sociais, de compartilhamento de afetos e saberes” (Projeto Vida-com-Arte, in OLMA, 2021).

O Grupo de Cidadania e Cultura Religiosa Afro originou-se do desejo mostrado por líderes de diferentes religiões para conhecer melhor a cultura e história africana e dos afrodescendentes. A sua espiritualidade reflete muito, desde a origem “a abertura e cultivo de práticas espirituais diversas, ao lado de reflexões da espiritualidade inaciana, sempre foram marcantes. Sempre iniciamos as atividades com algum tipo de reflexão seja a partir da espiritualidade católica ou de outra denominação religiosa”. Assim, a espiritualidade neste projeto sempre quis expressar-se em direitos de igualdade ativa, em direitos à dignidade e fraternidade, em confiança e conhecimento, em justiça e paz entre todos os povos, culturas e religiões”. Segundo a sua coordenação, “o respeito à diversidade religiosa orienta, assim, a busca dos fundamentos da coexistência pacífica entre as múltiplas formas que conduzem ao Altíssimo e à superação das limitações e condutas que separam a humanidade”. E um outro comentário temos a seguinte assertiva: “A vida sem disfarces e estigmas associados a julgamentos a quem é diferente, conduz à valorização da diversidade e à complementaridade religiosa e à igualdade social”. (Grupo Cidadania e Cultura Religiosa Afro, in OLMA, 2021)

Assim, os cinco projetos aqui pautados, relatam percepções e práticas específicas que convergem, por caminhos diferentes e criativos, para uma mesma espiritualidade que nasce do conceito de justiça socioambiental (social e ambiental) e de um horizonte de práticas pedagógicas comuns. É uma espiritualidade que se pauta, principalmente, na “mística” que desperta e é cultivada: no reconhecimento radical da própria dignidade e da dignidade do outro; no sofrimento e na indignação frente às desigualdades escandalosas e inaceitáveis e frente à situação desumana, vivida, por muitos irmãos e irmãs; no cuidado da vida e dos dons da criação, impelido pelo amor a toda a vida, que pulsa no presente, e pulsará no futuro, neste planeta terra.

4. ESPIRITUALIDADE DO CUIDADO (A TÍTULO DE CONCLUSÃO)

A humanidade necessita urgentemente centrar-se na cultura do cuidado e desfazer-se da tragédia da cultura da indiferença. A atenção central deve ser colocada na dimensão relacional e na interligação de tudo dentro do convívio humano, nas relações interpessoais, na sociedade e em relação aos dons da natureza.

Precisamos estar cuidadosamente atentos à prática da justiça em todo complexo convívio humano. Este estar “cuidadosamente atentos” é o que, aqui, concluindo, podemos chamar de espiritualidade do cuidado. Esta denominação parece ser a mais apropriada porque tem em seu centro o permanente cuidado da dignidade humana e da vida em todas as suas manifestações.

Em outras palavras, é uma espiritualidade que perpassa o cuidado da dignidade humana, o cuidado dos dons da criação e o cuidado do ordenamento social e econômico de inclusão e igualdade. Precisamos cultivar em nós essa tríplice mística do cuidado. São cuidados que podem ser exercidos tanto em nível de produção do conhecimento, de influência nas tomadas de decisão e no modo de ser, viver e agir dentro do cotidiano.Ou seja, uma espiritualidade integral que nos envolve em nossa totalidade de vida e de ação.

Precisamos de uma espiritualidade que nos mude, radicalmente, em nossas práticas. Que nos faça retomar o verdadeiro caminho da justiça. Que seja força regeneradora da sabedoria humana. Segundo o teólogo Leonardo Boff, “vamos criar juízo e aprender a ser sábios e a prolongar o projeto humano, purificado pela grande crise que seguramente nos acrisolará” (Boff, 2018, p. 158). Segundo este teólogo é necessário que andemos depressa, pois não temos muito tempo a perder (p. 159).

A Espiritualidade, que hoje nos é solicitada, é a disposição de nossos corações para buscar os melhores caminhos para a construção de sociedades sustentáveis e geradoras de vida. Um dos caminhos mais fecundos para isto, que se desenha de diferentes formas, são os novos formatos de aprendizagem, expressos sobretudo no “serviço-aprendizagem”.

REFERÊNCIAS

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NOTAS:


[1] A Pandemia do Coronavírus – Covid-19, eclodiu em todo mundo, em inícios de 2020 e continua ainda, em meados de 2021, data de escrita deste ensaio, causando estragos avassaladores em diversos contextos.

[2] O uso do termo espiritualidade neste ensaio está diretamente relacionado com esta “mística inaciana” do “ver Deus em tudo” (Loyola, 2015).

[3] “Onde estás”? Foi assim que Deus interpelou Adão. (Gn. 3,9).  “Onde está o teu irmão”? Foi assim que Deus interpelou Caim (Gn. 4,9). “Como está a criação”? Assim interpela Deus a humanidade, não deixando que ela esqueça seu mandato de cuidar de tudo (Gn. 1, 26-31; 2, 15). No que se refere a Gn. 2, 15 e, especialmente, Gn. 1, 26-31, em termos teológicos “o ser humano na criação” está abordado de forma muito detalhada e profunda por Lúcio Flávio Cirne (Cirne, 2013, p. 82-89).

[4] Retomo em síntese o que referi em conferência preparada para III Seminário de Espiritualidades contemporâneas, pluralidade religiosa e diálogo, na Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, 22-24/04/2020. O evento foi cancelado devido à pandemia, mas a conferência foi publicada em formato eletrônico pela instituição promotora (Cfr. Follmann, 2020).

[5] O que sente o menino negro pobre de periferia é uma marca global, hoje, na sociedade humana. É a chaga da cultura da indiferença denunciada pelo Papa Francisco em Lampedusa em 2013, quando fala da “globalização da indiferença”. Cfr Ihu On-Line (2013). Obtido em http://www.ihu.unisinos.br/noticias/521786-qadao-onde-estas-caim-onde-esta-o-teu-irmao-o-discurso-de-francisco-em-lampedusa

[6] Um exemplo muito promissor está nas leis 10639/2003 e 11645/2008, que revisam e esclarecem a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDB (Lei 9394/96) mediante os artigos 26A e 79B, normalizando a obrigatoriedade da Educação das Relações Étnico-raciais em todo sistema educacional brasileiro e o ensino de história e cultura africana, afro-brasileira e dos povos indígenas (Brasil, 2009).

[7] Os 17 ODS são: 1. Erradicação da pobreza; 2. Agricultura sustentável; 3. Saúde e bem-estar; 4. Educação de qualidade; 5. Igualdade de gênero; 6. Água potável e saneamento; 7. Energia limpa e acessível; 8. Trabalho decente e crescimento econômico; 9. Indústria, inovação e infraestrutura; 10. Redução das desigualdades; 11. Cidades e comunidades sustentáveis; 12. Consumo e produção responsáveis; 13. Ação contra mudança global do clima; 14. Vida na água; 15. Vida terrestre; 16. Paz, justiça e instituições eficazes; 17. Parcerias e meios de implementação. A explicitação dos títulos das temáticas dos objetivos é um indicativo bastante sugestivo com relação ao complexo alcance da expressão “desenvolvimento sustentável”. Sintetizado de: https://www.pactoglobal.org.br/ods

[8] Cfr Martin-Fiorino, 2020, pp. 155-156.

[9] Revista IHU On-Line, comenta Pacto Educativo Global, 16/10/2020: http://www.ihu.unisinos.br/78-noticias/603808-educacao-papa-lanca-pacto-global-com-sete-compromissos-por-um-mundo-diferente

[10] Nota importante: o Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida (OLMA) será referido ao longo de todo o capítulo apenas por sua sigla. Trata-se de um “Observatório em Rede” da Província do Brasil, Companhia de Jesus, com núcleo articulador em Brasília, DF. www.olma.org.br

[11] As três perguntas estão inspiradas no primeiro Plano Estratégico 2001-2005, da Associação das Universidades Confiadas à Companhia de Jesus na América latina e Caribe – AUSJAL.

[12] Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, São Leopoldo, RS, Brasil. Ver Centro de Cidadania e Ação Social – CCIAS: http://unisinos.br/cidadania/ccias-centro-de-cidadania-e-acao-social-unisinos/

[13] As citações na sequência deste item fazem parte de uma documentação do autor, em elaboração para publicação no site do OLMA – www.olma.org.br: Olma (2021). Experiências Significativas de Justiça Socioambiental. (EM PREPARAÇÃO).

PROFETAS DA JUSTIÇA E RECONCILIAÇÃO

Este texto teve a sua primeira publicação em agosto de 2019.

O conceito de justiça socioambiental está amparado no paradigma da ecologia integral

Este texto foi escrito para a Revista do Colégio Medianeira, Curitiba, PR, dirigida à comunidade educativa daquela instituição.

P. José Ivo Follmann sj
Secretário para a Justiça Socioambiental
Província dos Jesuitas do Brasil
(agosto de 2019)

Há algum tempo, em uma das redes sociais na qual costumo me comunicar, alguém postou a mensagem de uma senhora trabalhadora vinculada a uma cooperativa de reciclagem de lixo. Na mensagem ela fazia um apelo veemente, acompanhado de uma recomendação muito justa: uma verdadeira lição de justiça socioambiental para nós.

Depois de se apresentar, ela (aquela trabalhadora) pedia para que fôssemos mais atentos em facilitar a coleta seletiva dos lixos. As palavras dela foram um misto de agradecimento pela separação da “matéria prima” do trabalho de quem faz disso a sua profissão, e de estímulo para ampliarmos a nossa contribuição no combate à contaminação, à poluição e ao estrago que vem castigando e destruindo a nossa mãe terra. As palavras dela foram, também, um lembrete delicado para ajudarmos a melhorar as condições de trabalho das pessoas envolvidas nessas frentes.

Na fala suave e decidida daquela mulher, – uma senhora negra cujo olhar sofrido não escondia um forte brilho repleto de sabedoria e liderança -, suas palavras foram finalizadas com uma recomendação muito oportuna, repleta de profundo senso de humanidade.

Ela dizia: “Quando separam as caixinhas de leite vazias e garrafas vazias de yougurtes ou coisas parecidas, procurem, por favor, passar uma água, deixando, depois, os frascos abertos no lixo. Isto ajuda muito para nossos narizes. Isto torna o nosso trabalho menos insalubre. Vocês não imaginam os cheiros que às vezes temos que suportar em nosso trabalho. É um pedido! Não custa”!

Confesso que aquela fala ressoa em mim até hoje. Aprendi e agradeço! Sempre que vou descartar algum frasco de leite, garrafas de yougurtes ou embalagens parecidas, me lembro de quem estará lá na outra ponta recolhendo aquela “matéria prima” para o seu trabalho.

Em minha função de Secretário para a Justiça Socioambiental da Província dos Jesuítas do Brasil, tenho viajado bastante e frequentado muitos aeroportos. Um dia, no espaço de um banheiro de aeroporto, a atitude de um senhor de idade – “senhor da bengala” – me chamou a atenção. Ele era bastante idoso. As suas limitações físicas eram visíveis. Apesar de trêmulo, ele manejava com destreza a bengala, na qual se apoiava. Chamou-me a atenção que ele, no meio da correria e do tumulto dos que entravam e saíam, naquele recinto, serviu-se da bengala para juntar os pedaços de papel no chão; pedaços de papel que outros, na pressa e no desleixo, descuidadamente, haviam largado ao redor da lixeira. Na sequência, com cuidado e certa dificuldade, ele se inclinou diversas vezes, para com uma das mãos, – a que estava livre da bengala -, colocar os papéis no recipiente do lixo, sem se perturbar com os transeuntes.

Observei com atenção os movimentos daquele senhor da bengala. Terminada a sua ação, que parecia um evidente hábito rotineiro, ele encostou a bengala, pegou o papel, lavou tranquilamente as suas mãos, as enxugou e colocou o papel, cuidadosamente, na lixeira. Depois, armando-se de novo com a bengala, caminhou para a porta, tranquilo, sem se fazer notar. “Que exemplo de delicadeza humana”, pensei comigo. “Preocupar-se em deixar o ambiente limpo para os outros…” “Quem não se sente bem, quando encontra um ambiente desses, limpo e asseado, sem o horror do desleixo e dos papéis espalhados pelo chão”? Tornei-me um fiel seguidor desse “senhor da bengala”, anônimo, discreto, fisicamente frágil, mas tremendamente robusto em humanidade.

Se queremos falar em justiça e reconciliação, precisamos começar pelas pequenas coisas do dia-a-dia. O cuidado da “nossa casa comum”, é, em primeiro lugar, o cuidado de quem frequenta ou trabalha nessa “casa”. Saber importar-se com as outras pessoas, com o seu bem-estar. Hoje, sempre que entro em algum banheiro bem cuidado e limpo, sem papéis espalhados no chão, lembro-me do “senhor da bengala”. Também me dou conta que existem gestores/as que têm sensibilidade e se preocupam para que as pessoas que usam os ambientes que estão sob sua responsabilidade não se sintam agredidas em sua dignidade. Escalam para tal zeladorias permanentes e atentas. A boa gestão pede este cuidado.

Fazer gestão com justiça é cuidar da dignidade humana. Praticamos a justiça, como gestores e gestoras, quando as tomadas de decisão, em todas as instâncias de nossos empreendimentos, estão revestidas de sensibilidade e humanidade. Trata-se da atenção permanente de garantir que as pessoas se sintam bem e respeitadas em sua dignidade. Nada melhor para o ser humano do que poder frequentar ambientes limpos e acolhedores. Isto ajuda a cultivar a própria dignidade.

Falando em “ambientes limpos e acolhedores”, fico escandalizado, com a mente e o coração perturbados, sempre quando me deparo com cenas em que os nossos irmãos e irmãs estão jogados nas calçadas das ruas ou “residindo” em ambientes sórdidos, amontoados em barracos, rodeados de esgoto e lixo, imundos, como se eles fossem o próprio lixo da humanidade. São vidas humanas desfiguradas, no meio da imundície, que clamam por justiça! Elas clamam para que não sejamos insensíveis e não consideremos estas cenas como normal e como algo que não tem solução. Elas clamam para que não repitamos o mantra horrível: “Infelizmente é assim mesmo; não dá para fazer nada”, como se isto fosse uma espécie de destino fatal dos “deserdados da sorte” ou “descartados do mundo”.

O número desses “deserdados” e “descartados” vem-se multiplicando nos últimos anos. É um escândalo! É uma interrogação inquieta com relação aos nossos sistemas econômicos, políticos e sociais. Como reverter essa calamidade? Como calar a ignorância cínica, que pensa, diz e age como se isto devesse ser assim mesmo? Como calar essa ignorância cínica que habita, também, dentro de nós? Muitas vezes, a perversidade nos leva ao extremo de jogar a culpa de tudo nas próprias vítimas. Pobre humanidade! A que extremo estamos reduzidos? “Sempre foi assim…”

Há um caminho possível para além destes cinismos acomodados e inoperantes. Levar a sério a dignidade humana deve interpelar, de forma permanente, a todos/as nós, e, sobretudo, as pessoas responsáveis pela tomada de decisão com relação aos destinos dos recursos e dos bens dos quais a humanidade dispõe.

Só os exemplos aqui relatados já deveriam ser suficientemente mobilizadores para nos fazer acordar e chamar à responsabilidade. Para nós que somos cristãos ou para quem, seguindo o cristianismo ou não, atua em uma organização dirigida pela Companhia de Jesus, tudo isto fala com redobrado vigor porque somos orientados a nos colocarmos na perspectiva da reconciliação como caminho da justiça. Para a Companhia de Jesus e para quem orienta a sua vida religiosa pelo cristianismo, Jesus Cristo é o caminho da reconciliação de tudo, ou seja, da reconciliação consigo mesmo/a, com as outras pessoas em sociedade, com os dons da criação e com Deus. Por um caminho ou outro, somos convidados/as a assumir a participação na ação de reconciliação em todos os níveis. Este é um caminho de construção da justiça.

No Estatuto da Província dos Jesuítas do Brasil, recentemente aprovado, consta que uma das competências do Secretário para a Justiça Socioambiental é a de “promover a consciência da justiça socioambiental na Província em coerência com o paradigma da Ecologia Integral e da Teologia da Reconciliação” (Estatuto da Província, Art. 27, & 7-a).

O paradigma da Ecologia Integral, introduzido pelo Papa Francisco em sua Carta Encíclica Laudato Sí (2015), baseando-se no princípio da relacionalidade de tudo em nossa “casa comum”, é uma chave que ajuda a pensar a promoção da justiça, como um processo de reconciliação, em todas as dimensões. “Tudo está interligado, nesta casa comum”, diz uma das canções que acompanha o movimento do Sínodo para a Amazônia, em realização de outubro de 2017 a outubro de 2019. É o que chamamos de justiça socioambiental, amparada na Ecologia Integral e na Reconciliação. Trata do trabalho pela justiça, no qual as injustiças sociais e injustiças ambientais aparecem profundamente interligadas. Não temos como fazer justiça social sem justiça ambiental e não temos como fazer justiça ambiental sem justiça social.

No meio da perversidade humana e estrutural, que nos assola, o “senhor da bengala”, a senhora da cooperativa de reciclagem de lixo e gestores e gestoras que, em suas decisões, colocam a atenção primeira na dignidade humana e no ambiente digno de vida, são profetas da justiça socioambiental: profetas da justiça e da reconciliação de todas as pessoas e de todas as coisas.

RE-ENCANTAR A DEMOCRACIA É POSSÍVEL

Publicado em Revista MEB, outubro de 2022.

Não existe democracia sem um real cultura de participação

Introdução

A Revista MEB entrevistou José Ivo Follmann, padre jesuíta e sociólogo, sobre o tema da democracia. A formação do entrevistado, na área da Sociologia, passou pela graduação na Universidade Federal do Rio Grande do Sul – UFRGS, mestrado na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo – PUCSP e doutorado na Université Catholique de Louvain – UCL, Bélgica. Possui também graduação em Filosofia e em Teologia. A sua formação foi complementada por dois cursos de especialização: História contemporânea e Cooperativismo e diversos cursos e estágios de atualização. Tem em seu currículo, cinquenta anos de professor e pesquisador na Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, onde foi também Vice-Reitor durante dez anos. A produção intelectual do entrevistado esteve sempre marcada pela atenção ao compromisso social da Universidade e da Igreja, especificamente dos jesuítas, para com a promoção da justiça e na busca por encontrar os melhores caminhos para a incidência junto ao aprimoramento da participação cidadã, a partir dos processos educativos e da organização da sociedade civil. A entrevista está focada no amplo debate que brota na realidade presente com relação ao tema e à prática da democracia. Para Follmann, no meio da perplexidade política que vivemos, uma grande iniciativa, que está sendo bem dinamizada, merece todo destaque. Trata-se da iniciativa de uma rede de organizações, serviços, pastorais sociais e organismos da Igreja, Rede Brasileira de Fé e Política, que está sendo fortalecida e busca priorizar o “encantar a política”, neste ano eleitoral que estamos vivendo. A entrevista, na expressão do entrevistado, se associa nesse movimento. A democracia, em contradição ao seu status de ser a melhor conquista da humanidade em termos de modus vivendi na política, vem sendo muito pervertida e maltratada em termos de concepção e aplicação prática, a ponto de perder grande parte do seu sabor e encanto. As desigualdades sociais, que são históricas e sempre mais escandalosas no Brasil, denunciam o uso perverso da democracia e apelam por seu (re)encantamento. Segundo Follmann, o “(re)encantamento da democracia é possível!”. O entrevistado, além de professor e pesquisador na UNISINOS, está como Diretor do Observatório Nacional de Justiça Socioambiental Luciano Mendes de Almeida – OLMA (junto ao Centro Cultural de Brasília – CCB), órgão articulador e dinamizador da Rede de Justiça Socioambiental dos Jesuítas no Brasil. A incidência junto às Políticas Públicas é uma das pautas dentro dos esforços em torno da promoção da justiça (social e ambiental) pautados por este organismo. A entrevista foi concedida por escrito para a Revista. Vamos à entrevista:

Revista MEB: Na sua compreensão, qual é a importância do tema da democracia na atualidade e como se manifesta na vida das pessoas e da sociedade?

José Ivo Follmann: Eu me considero alguém movido pela utopia da democracia. Cultivo também uma grande crença de que o Brasil pode tornar-se um exemplo de democracia para o mundo. Feita esta profissão de fé, esperança e amor, quero manifestar a minha total responsabilidade pessoal pelo conteúdo desta entrevista, sempre atento ao imperativo de que o diálogo é o atalho mais apropriado e eficiente na construção da democracia.

Com este cuidado inicial, quero sublinhar que na atualidade o tema da democracia assume uma importância muito especial. Talvez nunca este tema teve tanta atenção como tem hoje. Possivelmente, também, nunca este tema foi tão mal-entendido e mal praticado ou maltratado, como hoje. Um recente manifesto em defesa da democracia, escrito em finais de julho de 2022 pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo – USP, chegou a alcançar, até o dia de sua divulgação pública em 11/08/2022, a adesão de 1.000.000 de assinaturas, como um evidente recado ao atual mandatário no governo, devido a posicionamentos reiterados por ele assumidos. A carta mereceu a adesão dos mais diversos grupos na sociedade, inclusive grupos evidentemente antagônicos.

Em recente obra de Wilhelm Hofmeister (2021) estão explicitados de forma didática, cinco pilares fundamentais da democracia. Lembrá-los aqui é importante: – Eleições livres e justas; – Governo responsável; – Igualdade de direitos políticos e participação igual de todos os cidadãos; – Respeito pelas liberdades civis e políticas; – Estado de direito e independência do poder judicial. Assumo estes cinco pilares em minha concepção de democracia, mesmo que o espaço aqui não permita considerações específicas a respeito.

A par do fato de alimentar esta crença em relação ao sucesso da democracia no Brasil e cultivar essa utopia com carinho, tenho também a clara percepção de que nada disso terá condições de acontecer, dentro de nossa realidade brasileira, se não forem promovidas, de forma afirmativa e vigilante, condições concretas de participação cidadã e de formação ou educação política para isto. Quase teríamos que sugerir um sexto pilar junto aos cinco pilares aqui mencionados, ou seja: – Garantia permanente de condições concretas e de cultivo da educação política para uma efetiva cultura de participação.

Vale lembrar e repetir que nem todas as pessoas contabilizadas (em 11/08/2022) no 1.000.000 de assinaturas da carta mencionada, se alinham coerentemente em sua prática econômica, social, política e ambiental com os pilares da democracia aqui identificados. Só se tem uma certeza: A adesão à carta reflete um momento em que todo o debate tende a fechar-se sobre uma turbulência, em certo sentido, falseadora, no atual momento pré-eleitoral. O seu lado falseador está na tendência a fechar o horizonte em cima do próprio processo eleitoral, perdendo de vista a substancialidade do regime democrático.

Vivemos em uma sociedade na qual, desde os mais extremos grupos de “direita” até os mais extremos grupos de “esquerda”, – se isto ainda se constitui em uma linguagem pertinente -, usam o discurso da democracia como mote de ação política. Existe, também, um grande segmento que lamenta a existência da “polarização”, colocando-se, pela via do “centro” e do “meio”, como a via boa para o exercício da democracia. Fala-se da “polarização” enquadrando neste clichê, – em minha opinião, erroneamente -, os antagonismos existentes na sociedade, como sendo algo negativo e prejudicial para a democracia. Isto, como se pudesse haver vida política sem a existência de tensões antagônicas permanentes. Ainda mais, dentro de sociedades, como a nossa, que são escandalosamente marcadas pela desigualdade.

Dentro do momento agitado e escancaradamente perturbado que vivemos, a minha resposta à pergunta feita, obviamente, não poderá ser mais do que uma aproximação bastante limitada. Mas, com certeza, estará revestida de amor pela democracia, especificamente pela democracia que proporcione participação cidadã efetiva e a partir das bases, ou dos grupos mais privados dos direitos mais básicos.

Vivemos um clima político, no mínimo, perigoso, porque está eivado de discursos e narrativas que têm um sentido desmobilizador e tremendamente prejudicial à imagem interna e externa do Brasil. É um clima desmobilizador porque não existe o favorecimento de um debate público verdadeiro e que envolva todas as forças da sociedade, focando os problemas reais, tão necessário para a democracia. E, nesta onda toda, existem dois agravantes sérios: o amedrontamento a partir de ameaças explícitas com poderio armado loucamente disseminado pela via de milícias e do narcotráfico e a cilada de uma mistificação perversa pela via religiosa ou “pseudorreligiosa” dos “mercadores da fé”, revestida de um flagrante atentado à laicidade do Estado. Isto contradiz na essencialidade o Estado laico que somos por Constituição. A laicidade é fundamental para o funcionamento da democracia, num país tremendamente plural como o nosso.

Os discursos e narrativas sinalizados se amparam, por vezes, em alertas anacrônicos contra a ameaça comunista, manifestos, retomados e repetidos em diferentes momentos da história. É um “inimigo” sabidamente anacrônico para quem conhece a história e a atualidade brasileiras. Este “inimigo” interno estaria afrontando a democracia e os valores mais caros de nossa sociedade; estaria ávido para cercear a liberdade das religiões e seus valores, bem como a propriedade privada dos bens. Este “inimigo” estaria colocando em risco a democracia, mesmo que a história recente esteja desmentindo isto com todas as evidências.

Mas nem tudo é sombra (ou assombração!?) … Existe também uma consciência difusa, sempre mais viva, em relação aos verdadeiros riscos contra a democracia e os valores da sociedade. Esta consciência cresce com vigor e se manifesta amplamente nos termos da carta que mencionei, apesar do espectro contraditório de suas adesões. Cresce o clamor pela manutenção da democracia, clamor este alimentado por narrativas que alertam contra os riscos que o país corre frente a um possível caos gerado em decorrência do desmonte das principais instituições republicanas, inclusive a própria conquista de um processo eleitoral de reconhecida competência, eficiência, e valor técnico em termos de segurança. Dentro do clamor pela democracia cresce, sobretudo, o movimento por um novo encantamento da política. (CNLB, 2022). Este movimento pelo (re)encantamento é cultivado, por um lado, a partir de mobilizações de raízes religiosas, sobretudo entidades vinculadas à CNBB, mas também, de outro lado, por forças diversas organizadas na sociedade civil, que movendo-se pelos mais diferentes interesses se erguem em coro uníssono em defesa da democracia. Me associo a esse movimento do (re)encantamento. É processo que pode fazer com que a nossa sociedade se regenere a partir das bases, se soubermos empregar as estratégias corretas, revisitando e cultivando a democracia em suas raízes.

Mencionei acima um certo viés falseador em todo o debate que está muito agitado. É o viés focado nas eleições, com a sinalização de que o processo eleitoral é o grande decisor da democracia. Trata-se de um foco centrado na “democracia representativa” e que coloca todo valor da representatividade, no evento da eleição… Precisamos reafirmar a consciência de que o tempo principal da democracia é o tempo efetivo da prática política onde se realiza e se pode testar o serviço político do candidato ou da candidata. Eu diria, assim, que, enquanto não conseguirmos reaver uma verdadeira “democracia participativa” e de vigilância permanente sobre a prática e o serviço político dos/das representantes, a própria democracia representativa tenderá a se deteriorar sempre mais e poderá correr riscos sérios, como aliás já está demonstrado de forma ostensiva e escandalosamente recorrente.

Essa não é uma preocupação de hoje. Foi, por exemplo, com essa percepção que os bispos católicos, reunidos na V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe, reunidos em 2007, em Aparecida do Norte, Brasil, manifestaram, já na época, através do “Documento de Aparecida” (CELAM, 2008), uma grande preocupação na defesa e afirmação da democracia participativa, ao mesmo tempo em que celebravam os avanços dos processos democráticos. Diziam que, apesar de um certo progresso demonstrado em processos eleitorais, causa preocupação a existência de diversas formas de regressão autoritária por via democrática, que às vezes estão resultando em regimes de corte neopopulista. “Não basta uma democracia puramente formal, fundada em procedimentos eleitorais honestos, mas (…) é necessária uma democracia participativa e baseada na promoção dos direitos humanos e no respeito a eles”. (n. 74) Depois de apontar diversas características da democracia participativa, os avanços positivos e riscos perceptíveis que ela corria, os bispos denunciavam que (…) “esquece-se de que a democracia e a participação política são fruto da formação que se faz somente quando os cidadãos são conscientes de seus direitos fundamentais e de seus deveres correspondentes”. (n. 77, grifo nosso)

Parece que os bispos, há quinze anos, já percebiam a principal fragilidade, ao apontarem a importância da formação. De fato, o que acontece hoje, o que mais aparece visibilizado é a fragilidade em termos de formação política. Isto perpassa todos os níveis ou espaços de presença humana, seja nos processos de produção e veiculação do conhecimento, seja no cuidado para com as instâncias de participação e mobilização social, seja no próprio dia a dia concreto do convívio humano. O Movimento de Educação de Base – MEB tem uma longa história de contribuição para a democracia neste sentido. Talvez estejamos vivendo um momento de extremo apelo para que se reforce essa contribuição. Além da fragilidade na formação política cidadã em geral, não existe uma apuração clara das condições apresentadas pelos candidatos e candidatas em termos de formação/participação política, que deve ser buscada e revelada em todos esses níveis ou espaços vividos.

O que perpassa tudo é falta de informação, é informação distorcida, é falseamento da informação (“fake-News”), é desencanto; são mobilizações vazias mediante “militâncias estéreis”, através de likes inócuas; são narrativas falsas de amedrontamento e de demonização do próprio confronto sadio de ideias; é a quase incapacidade de entabular bons diálogos ou debates e confrontos sadios de ideias opostas. Em suma, é ausência de boa formação. É preciso que se possa restabelecer o confronto de ideias, que seja verdadeiro, não focado simplesmente em querelas e tagarelices do “ser” ou “não ser a favor” disto ou daquilo, mas focado no como nos posicionamos e que propostas se tem para diminuir as desigualdades sociais e na busca da garantia do acesso de todas e todos a uma vida digna, ou seja, condições de vida acima da “linha da dignidade”. A formação para a democracia só será consistente se souber ultrapassar o nível das informações superficiais e pouco interessantes sobre como funcionam os sistemas democráticos e seus belos artifícios de poder. A formação para a democracia será consistente se focar os necessários mecanismos participativos na sociedade e as propostas verdadeiramente focadas nas condições de superação necessária das desigualdades sociais escandalosas e do acesso pleno às condições de vida que respeitem a dignidade de todas e todos.

Revista MEB: Você tem acompanhado o processo democrático brasileiro por décadas. Como você avalia a tendência mundial de polarização e fechamento dos espaços democráticos?

José Ivo Follmann: A pergunta pode gerar uma expectativa falsa… É preciso que eu diga inicialmente a partir de que lugar eu falo. Não sou da área da Ciência Política. Sou sociólogo e padre jesuíta. Estou manifestando as minhas percepções a partir das referências que eu consegui construir em minha trajetória, dividida ou atravessada, desde minha juventude, tanto por elaborações de estudos sociológicos como por práticas engajadas na promoção da justiça. Nessa minha lide intelectual, como sociólogo engajado, sempre fui guiado pelo sopro do espírito cristão buscando coerência com minha opção de religioso cristão ligado à Companhia de Jesus, conhecida como a Ordem dos Jesuítas, na Igreja católica. A Ordem dos Jesuítas está presente em quase todos os países do mundo, convivendo, sobrevivendo ou sofrendo perseguições, nas situações políticas mais diversas encontradas e desencontradas.

Talvez se possa dizer que a história brasileira nos oferece um exemplo muito particular, quando se fala nas grandes polarizações que acontecem no mundo. Vou tomar a liberdade de repetir aqui uma frase que cunhei em epígrafe no livro (coletânea) sobre “Políticas Públicas – Debates Sociológicos Pontuais” organizado conjuntamente com Carlos Alfredo Gadea e Luiz Felipe Lacerda (2019). A frase é a seguinte: “O momento que vivemos hoje no Brasil nos faz voltar, mais do que nunca, para a triste herança que pesa de um passado de uma sociedade elitista e excludente, que ainda não conseguiu fazer as pazes consigo mesma e muito menos conseguiu amadurecer para um verdadeiro espírito republicano e prática da democracia”. Da mesma obra destaco ainda outra frase do primeiro capítulo, em coautoria com Luiz Felipe Lacerda:

Sabemos pela história da república no Brasil, quanto o “interesse da maioria” ou a “vontade da maioria” são quase “peças de ficção”. Isto é válido para os primeiros anos da república quando o Brasil viveu uma de suas páginas de maior negação dos direitos de ampla porção da sociedade recém liberta do estado de escravidão, e sobretudo, para os dias de hoje, quando o país é vítima de uma mega submissão do Estado aos interesses de uma minoria nacional e internacional dominante. (in FOLLMANN; GADEA; LACERDA, 2019, p.22-23)

Todos sabemos que o Estado é um conjunto complexo de instituições organizadas para o bom funcionamento de uma Nação. Ao menos é o que está idealizado no conceito… No Estado republicano que nos identifica oficialmente desde a Proclamação da República em 1889, precisamos distinguir entre, por um lado, os princípios e instituições republicanas e, por outro lado, os processos efetivamente democráticos. Quando as instâncias republicanas são fortalecidas, transparentes e maduras, os processos democráticos têm melhores condições de serem dinamizados e qualificados. A fragilização e a redução republicana, identificada corretamente como desmonte das instituições públicas, tendem a gerar mecanismos distorcidos e descontrolados nos processos democráticos. O resultado é o silenciamento. Esta é uma ambientação favorável para os paradoxos e manejos autoritários, em nome da própria democracia, tão conhecidos hoje.

Eu diria que o foco de nossa atenção não deve ser o receio da explicitação dos antagonismos, mesmo que sejam fortes e polarizados, mas devemos dar atenção às manifestações daquilo que se pode considerar uma tendência ao aumento da violência e da brutalização no convívio humano. É algo que vem sendo alimentado por toda uma cultura da violência e da morte, em geral concentrada em grupos de extrema direita. Há um recrudescimento da violência misógina, dos racismos, dos machismos, da homofobia e de atitudes aporofóbicas (ódio a pobre). Quem pensa nisso quando fala do risco da polarização, está correto. Pois essa é uma tendência capitaneada por forças que querem impor uma narrativa unilateral sem permitir debate.  

O discurso intransigente e violento em um ambiente de fragilização e desmonte do próprio Estado de Direito, ou seja, das instituições republicanas, torna-se algo muito perigoso. Neste clima tende a se impor uma concepção de democracia “sem lei”, ou, melhor, democracia da lei do mais forte. O Brasil está sendo uma espécie de tipo exemplar nisso, hoje… Seria uma “democracia” que necessita de armas nas mãos das chamadas “pessoas de bem”, para garantirem a sua liberdade contra os indesejados. (ver GHIRALDELLI, 2021). Tudo isto exigiria uma longa análise, mas o espaço aqui não permite. O agravante de tudo isto, aqui no Brasil, é a nossa longa história de dominação e submissão internas das maiorias e de submissão do próprio aparelho do Estado. As forças de dominação e exploração se concentram em poderosos grupos econômicos. Vivemos tempos de perversão da democracia, abrigando formatos tremendamente autoritários, misóginos, excludentes… Me insurjo contra esta “exemplaridade perversa” que vem se colando ao Brasil e gostaria de reforçar o coro daqueles, muitíssimo mais numerosos, mas talvez demasiadamente calados, que acreditam e professam a utopia do Brasil como exemplar para a democracia participativa.

Efetivamente, a única vacina eficaz para curar o Brasil do risco da violência e do ódio é a democracia participativa. (ver GHIRALDELLI, 2021). Existe no ar um grande apelo à responsabilidade de cada cidadão e cada cidadã e, sobretudo, as entidades e organizações que lidam diretamente com educação não podem ficar só no discurso da defesa da democracia e seus valores, mas devem formar, nas suas práticas e promoções internas e externas, para a cultura democrática. O cultivo da diversidade é fundamental em um ambiente educativo, que se defina como espaço de formação para a democracia. Este cultivo é gerador de cultura democrática. O cultivo da diversidade é incompatível com discursos e práticas misóginos, racistas, machistas, aporofóbicos e homofóbicos em seus espaços. O trabalho de educação de inspiração cristã, só faz sentido, dentro do contexto que nos marca, enquanto testemunhas de participação, de transparência e de cultivo da dignidade humana.

A versão democrática que rompe o peso histórico da dominação e da submissão é muito recente, aliás só teve alguns períodos relativamente curtos de respiro vital. Talvez se possa dizer que acompanhou o próprio processo histórico do Movimento de Educação de Base – MEB. Vivemos novamente um momento de sérios riscos de que a tragédia de uma “democracia” desfigurada pela dominação e submissão possa levar o Brasil a uma derrota definitiva do sentido cidadão contra a submissão alienada.

O que de fato impera é o tremendo distanciamento entre o “mundo dos políticos” e o “mundo da sociedade civil”. Isto toma feições mais graves na medida em que se perde a capilaridade de instâncias intermediárias de participação da população e, também, na medida em que se corrói a vitalidade das organizações populares autônomas e dos movimentos populares. O próprio Estado precisa ser permanentemente nutrido por esta capilaridade participativa, com o risco de, na ausência disto, perder totalmente a sua característica de Estado democrático de Direito, garantidor do bem comum. A vida da sociedade em todas as suas manifestações precisa recuperar a sua dimensão política, reforçando-se a capilaridade da construção democrática dos destinos da Nação.

Revista MEB: Segundo vários pensadores, como por exemplo Gramsci, na sociedade democrática as forças que a compõe são antagônicas e estão em constante conflito. Como você vê os Movimentos Populares de hoje na luta pela consolidação da democracia?

José Ivo Follmann: No meu entender o principal combustível da vida política são os conflitos e os antagonismos, e, talvez, mais do que isto, saber lidar com os conflitos e os antagonismos. As sociedades democráticas sobrevivem e se qualificam na medida em que sabem deixar-se renovar no confronto de ideias e da criatividade. Anotei no início que o diálogo é o melhor atalho para a democracia. É através do diálogo que se busca criar soluções novas a partir, em geral, de situações antagônicas e conflitivas.

Vou iniciar a resposta a esta pergunta, com uma referência ao Papa Francisco em um de seus encontros com líderes dos movimentos populares. Ele insistia na importância do papel desses movimentos. Estar atentos a eles “implica superar ‘a ideia das políticas sociais concebidas como uma prática para os pobres. Dar atenção a eles implica atitude de agir com os pobres, reforçando algo que é dos pobres”. E ele acrescentava: “a democracia atrofia-se, torna-se um nominalismo, uma formalidade, perde representatividade, vai-se desencarnando, porque deixa fora o povo em sua luta diária pela dignidade, na construção de seu destino”. (PAPA FRANCISCO, 2020 – FT, n.169; 2016). Isto sempre envolve saber lidar com o conflito de interesses.

Infelizmente as organizações e movimentos populares, no Brasil, que já viveram momentos importantes de dinamização, vêm, sempre de novo, sofrendo reveses das mais diferentes origens. O maior peso, em tudo isso, já mencionamos ao referir o peso estrutural de dominação histórica, é o comportamento das elites econômicas, que com raríssimas exceções, sempre foram exclusivistas e intolerantes, não permitindo que a sociedade civil se fortalecesse, muito menos as organizações e movimentos populares.

A história recente, no entanto, nos mostra que as coisas são muito mais complicadas e de difícil apreensão do que este esquema dicotômico, que coloca as elites econômicas como o grande vilão. Haja visto que o maior partido originário, em grande parte, das organizações e movimentos populares, quando ascendeu ao poder acabou contribuindo para o esvaziamento do vigor das organizações e movimentos, devido a um equívoco de atrelamento ao Estado de muitas lideranças e iniciativas, que antes tinham protagonismo próprio. O esvaziamento no vigor não se deu, no entanto, só por este atrelamento equivocado. A ausência de uma persistência na formação ou educação popular e no cultivo das práticas de base, que sempre tinham sido o grande combustível da fortaleza e capilaridade popular foi, a curto e médio prazos, algo que feriu de morte as organizações e movimentos populares, cujos integrantes se tornaram presas fáceis de outras forças.

Deveríamos, talvez, dizer que o problema maior não é a existência de conflitos e antagonismos, mas sim o abafamento e esvaziamento deles, fazendo a alma humana se atrofiar em sua vocação histórica. No entanto, alguns testemunhos ou sinais importantes de expressão viva de resistência permaneceram e são sementes de revigoramento. Entre muitos outros, estão mais vivos na minha memória, dois exemplos paradigmáticos:

Um movimento muito expressivo e típico em sua importância e alcance é o Acampamento Terra Livre – ATL, que neste ano de 2022 já atingiu a sua 18ª edição. Desde 2004, já tendo assumido formatos e endereços diferentes, tendo como referência, geralmente, o mês de abril, em Brasília, DF, é considerado a maior Assembleia dos Povos e Organizações Indígenas do Brasil. Esses eventos, ao longo de todo esse período sempre resultaram em uma leitura atualizada e posicionamento renovado do movimento em relação aos governos que se sucederam ao longo de todos esses anos. Trata-se de uma força viva, que não esmorece em declarar a sua presença, ao longo de todo este tempo. Talvez, deva ser considerado um sinal de democracia, que resiste. A pauta de suas reivindicações foi sendo atualizada e aperfeiçoada. É uma pauta inovadora, que traz, inclusive, para dentro de debate democrático, a questão revolucionária dos direitos da natureza.

São também muitas as manifestações pontuais, congregando normalmente um número significativo de representações de organizações e movimentos populares. Vou focar-me em um evento mais recente. No dia 16 de julho de 2022 ocorreu na Catedral da Sé, São Paulo, um grande ato ecumênico e interreligioso celebrando o testemunho do indigenista Bruno Pereira e do jornalista Dom Philips, que foram brutalmente assassinados devido à sua fidelidade na luta com e pelos povos indígenas e pela proteção ambiental. Eventos semelhantes se multiplicaram em muitos outros contextos em todo o território nacional. Na ocasião, com a catedral paulistana lotada e a presença de uma grande diversidade de lideranças religiosas e militantes de diferentes organizações e movimentos representativos da sociedade civil, o Bispo Dom Pedro Luiz Stringhini, em nome do Regional Sul I da CNBB (Conferência dos Bispos do Brasil), proferiu as seguintes palavras, lembrando a celebração do funeral de Vladimir Herzog, vítima da ditadura militar, há quase cinquenta anos: “Em 1975 estava aqui Dom Paulo Evaristo Arns e ao lado dele estava o Rabino Sobel. Naquele momento anunciaram que a ditadura iria acabar e que a democracia iria chegar! E ela chegou!!! Hoje, estamos aqui, no mesmo local, para dizer que a democracia não vai embora! Haverá eleições e haverá democracia!”

Tomo a liberdade de reproduzir aqui um trecho da breve fala de Dom Pedro Luiz Stringhini, dada a sua expressividade e contundência:

No Brasil chamam a atenção e causam indignação, a escalada da violência contra os povos indígenas e tradicionais, fruto do descaso oficial e do desmonte de políticas públicas e de preservação do meio ambiente, nossa casa comum. Estamos aqui também unidos para que esses órgãos voltem a funcionar. A adoção de uma política econômica que não leva em conta o sofrimento dos pobres fez voltar a fome e o desemprego; o discurso de ódio e a apologia às armas fez crescer a violência; sabemos que a segurança vem da educação de qualidade, através dos livros, não das armas. (…) É hora de se mobilizar, se necessário indo às ruas para defender a democracia e as eleições. O Brasil, todos, todos unidos, movimentos populares, igrejas, grupos religiosos, forças políticas progressistas, enfim, toda a sociedade civil, para que a civilização vença a barbárie. O Brasil é um país de beleza, de alegria, de canto e de poesia, de fé e de religiosidade, de trabalho e de dignidade. É preciso sonhar, reconstruir o nosso país, vislumbrando um horizonte mais belo e mais feliz para todos os brasileiros. Pela democracia, pela justiça social e pela paz. (STRINGHINI, 2022)

Na esteira das últimas palavras desta manifestação de Dom Pedro Stringhini, quero registrar um outro movimento que vem tendo repercussão bastante intensiva e extensiva. É o movimento, que já referi acima, de passagem. Trata-se do movimento “Encantar a Política”. Comecei as minhas respostas a esta entrevista fazendo a minha confissão, dizendo-me movido pela utopia da democracia e pela crença de que o Brasil pode tornar-se um exemplo de democracia para o mundo. Continuo considerando isto uma grande profissão de fé, esperança e de amor. Para mim, (re)encantar a política é possível! (Re)encantar a democracia é possível!

O movimento “Encantar a Política” é liderado pelo Conselho Nacional do Laicato do Brasil – CNLB, Centro Nacional de Fé e Política “Dom Helder Câmara” e a Rede Brasileira de Fé e Política e organizações atentas para a necessária transformação na cultura política brasileira. O movimento está profundamente inspirado e apoiado no Ensino Social da Igreja, especialmente na orientação trazida pelo Papa Francisco, em sua encíclica social Fratelli Tutti (FT), 2020. O Papa Francisco convoca para uma renovação profunda na Igreja, chamando para o protagonismo do todas/os. Assim também, na sociedade civil, exige-se nas instituições democráticas uma dedicação cidadã urgente e qualificada. Nenhum cristão pode, segundo a orientação do Papa Francisco, permanecer alheio à tarefa de contribuir para que a vida política reencontre o seu valor e o seu encanto. É preciso que contribuamos para sanar nossas frágeis democracias e sermos protagonistas da reinvenção da vida política, regenerando as instâncias representativas de origem popular. Quando o foco principal não é colocado nas instâncias representativas de origem popular, corre-se sérios riscos de reproduzir práticas populistas antidemocráticas.

Além deste foco no (re)encanto da vida política e da democracia, faz-se necessário que nos coloquemos no espelho de nossas práticas cidadãs e de nossas possibilidades de incidir concretamente, repetindo para nós uma pergunta que sempre permanece: Em que e como podemos nós, indivíduos e nós, organização, contribuir e avançar concretamente? Respondendo a esta pergunta, eu gostaria de concluir, talvez como provocação para o diálogo, com a indicação de que, tanto em nível pessoal como em nível institucional, sempre nos é oferecido um grande “leque de oportunidades” para exercermos a nossa incidência, enquanto sujeitos de transformação. Inspirado em um documento da Província dos Jesuítas do Brasil, eu gosto de distinguir, neste leque de oportunidades, três níveis ou “lugares estratégicos” de exercício da incidência: o nível da produção e difusão do conhecimento; o nível da atuação cidadã (participação direta) dentro das instituições, movimentos e forças de decisão; o nível testemunhal pelo próprio jeito de ser e agir do dia a dia. (JESUÍTAS BRASIL, 2021). A democracia participativa necessita ser reavivada afirmativamente em cada um destes três níveis ou “lugares estratégicos”. Destaque-se, sobretudo, as instituições e movimentos voltados diretamente para a educação em todos os âmbitos e formatos. Talvez se deva dizer que ao contribuir para o (re)encantamento da democracia, a própria educação também passe ou deva passar por um “(re)encantamento da educação”. É o que está sinalizado no próprio Pacto Educativo Global, liderado pelo Papa Francisco.

É necessário que em cada um destes níveis ou “lugares estratégicos”, se recupere a atenção e o cuidado: – em relação às pessoas, no radical reconhecimento de sua dignidade; – em relação ao sentido do bem comum e o correto tratamento dos bens na ordem econômica e social; – em relação à vida em sociedade, na recuperação permanente e afirmativa da harmonia e do diálogo, alimentando a fraternidade universal (amizade social); – e, em relação à vida em todas as suas expressões na natureza que mesmo sofrendo com crescentes agressões, nos envolve e nos presenteia cotidianamente com os seus dons.

Nunca nos esqueçamos que: “O mundo existe para todos, porque todos nós, seres humanos, nascemos nesta terra com a mesma dignidade. (…) Temos o dever de garantir que cada pessoa viva com dignidade e disponha de adequadas oportunidades para seu desenvolvimento integral”. (PAPA FRANCISCO, 2020 – FT, n. 118). Podemos exercer este dever, permanentemente, em qualquer um dos três níveis ou “lugares estratégicos” aqui apontados.

Considerações finais do entrevistado

Em minha palavra de conclusão eu gostaria de fazer um pequeno alerta. Trata-se da relação religião e política. Somos um Estado laico, assim definido na Constituição. A laicidade do Estado é fundamental para que se possa cultivar uma democracia sadia. Mas existem problemas muito sérios de entendimento e de prática neste campo.

Nós somos uma sociedade que se formou dentro de uma grande diversidade cultural e, especificamente, diversidade religiosa. Com uma história longa de represamento ou ocultação desta diversidade, por termos sido marcados, durante séculos, pelo monopólio religioso de parte da religião oficial, que era a Igreja católica romana, deu-se um grande processo de diversificação, a partir de inícios do Estado republicano. Essa diversificação aumentou de forma explosiva nas últimas décadas.

A explosão da diversidade religiosa, que assistimos no Brasil contemporâneo, por si só, não gera espírito pluralista ou espírito de convívio democrático. Ao contrário, muitas vezes, pode descambar em radicalizações fundamentalistas. Paradoxalmente, tem-se um movimento duplo contraditório gerado pela diversificação: crescimento do espírito de convívio democrático pluralista, de um lado, e aumento de radicalizações fundamentalistas, de outro. Assim como, também, é perceptível um duplo movimento em nível político e governamental: ao mesmo tempo em que são constatáveis movimentos sérios de amadurecimento da laicidade no sentido de garantir o direito à diversidade e pluralidade de expressão religiosa de todos, existem, também, os movimentos de busca de vantagens eleitorais contando com o apoio desta ou daquela confissão religiosa.

Uma constatação recente diz respeito a um casamento perfeito entre intencionalidades políticas que pervertem ostensivamente o princípio da laicidade, e lideranças religiosas oportunistas, que ignoram este princípio, deixando-se mover pelos ranços de práticas “confessionais” na política, no mínimo equivocadas. É um caminho ostensivo de destruição da democracia, a duas mãos. O (re)encantamento da política e da democracia certamente terá que passar, também, por uma “educação para as relações religiosas”, ou, amplamente, pelo incentivo e prática do diálogo inter-religioso.

Para concluir, além deste pequeno alerta referente à questão polêmica da relação entre religião e política, quero sublinhar: – a importância radical da democracia para uma vida em sociedade, que possa ser efetivamente extensiva para todas/os; – a urgência de nos apropriarmos de boas análises históricas e sociológicas da sociedade brasileira no sentido de desvendar as estruturas ocultas que nos marcam; – a valorização dos conflitos e antagonismos como ingredientes que proporcionam oxigenação da vida política e na democracia, pela mediação do diálogo.

O (re)encantamento da política e da democracia não pode ser um convite a falsas harmonias, mas um salto decidido para dentro da realidade conflitiva e antagônica de buscas de caminhos para que ninguém na sociedade seja mantido abaixo da linha da dignidade humana. A prática da justiça é condição primeira para (re)encantar a democracia.

Referências

CELAM. Documento de Aparecida; Texto conclusivo da V Conferência Geral do Episcopado Latino-Americano e do Caribe (13-31 de maio de 2007). Brasília: Editora CNBB / São Paulo: Editora Paulinas & Paulus, 2008.

CNLB et allii. Caderno Encantar a Política; Democracia. Brasília: CNLB, 2022.

FOLLMANN, José Ivo; GADEA, Alfredo; LACERDA, Luiz Felipe (orgs.). Políticas Públicas; debates sociológicos pontuais. São Leopoldo: Editora Casa Leiria, 2019.

GHIRALDELLI, Paulo. A Democracia de Bolsonaro (2018-2020). São Paulo: CEFA editorial, 2021.

HOFMEISTER, Wilhelm. Os Partidos Políticos e a Democracia; seu papel, desempenho e organização em uma perspectiva global. Rio de Janeiro: Konrad Adenauer Stiftung, 2021.

JESUÍTAS BRASIL. Marco de Orientação – Promoção da Justiça Socioambiental. 2ª Edição atualizada. São Paulo: Edições Loyola, 2021. www.olma.org.br

PAPA FRANCISCO. Fratelli Tutti. Carta Encíclica do Papa Francisco sobre a Fraternidade e a Amizade Social. Documentos Pontifícios – 44. Brasília: Edições CNBB, 2020.

PAPA FRANCISCO. Discurso do Papa Francisco aos Participantes do III Congresso Mundial dos Movimentos Populares. Coleção Sendas, Vol. 8. Brasília: Edições CNBB, 2016.

PAPA FRANCISCO. Laudato Si’. Carta Encíclica do Papa Francisco sobre o Cuidado da Casa Comum. Documentos Pontifícios – 22. Brasília: Edições CNBB, 2015.

STRINGHINI, Dom Pedro. Saudação em nome da CNBB – Regional Sul 1, em Ato Interreligioso na Catedral da Sé, 16/07/2022. https://www.leiaogazeta.com.br/em-ato-na-catedral-da-se-dom-pedro-luiz-stringhini-diz-havera-eleicoes-e-a-democracia-nao-vai-embora/

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